sábado, 3 de junho de 2017

Teoria da Visibilidade Pura



Teoria da Visibilidade Pura - Escola de Viena


Teoria da Visibilidade Pura


Segundo essa corrente de estudo, a arte deve ser primeiramente analisada, não como a história da evolução técnica, ou ainda como reflexo de um contexto sócio político, ou como a história de artistas individuais, mas sim, pelos aspectos formais típicos de um período.


A história da arte seria a história dos estilos, onde a forma presente em todos, ou quase todos os artistas de um mesmo tempo, ou de uma mesma corrente estilística, possui um conteúdo próprio, que nada tem a ver com o tema histórico, mitológico ou religioso da obra.


A forma como um sistema de representação global, uma concepção de mundo e do espaço de uma determinada época, período, escola, enfim, de um mesmo âmbito cultural.


Segundo Argan, em seu Guia de História da Arte, se tomarmos, por exemplo, um quadro de Rafael representando Nossa Senhora com o menino numa paisagem, o que haveria de especial na obra? Existem várias obras com esse tema, cujo sentimento manifesto não se distancia muito deste quadro em questão.


Pois bem, se tiramos o tema e os conteúdos afetivos como, a terna solicitude da mãe, a despreocupação da criança, a paisagem serena e suave, verificaremos, por exemplo, que as figuras formam uma pirâmide, que se contrapõem a um vazio atmosférico de fundo, onde as linhas dos contornos se harmonizam com as curvas delicadas da paisagem, etc.


Essas são características formais dessa obra, e que estão presentes em todas as madonas de Rafael, não apenas nesta. E ainda, presentes em outras obras do mesmo período, independente do tema , e que portanto, mostram algo mais geral e profundo, como uma concepção de mundo e do espaço, como uma representação global da realidade.


As formas como tendo um conteúdo significativo próprio, para além de um tema que comunicam, seja ele , histórico ou religioso.


Desaparece nessa análise, portanto, qualquer conceituação sobre apogeu ou decadência, ou ainda, de superioridade de um estilo em relação àquele que o precedeu, pois inexiste aqui, uma visão mecanicista de evolução técnica e material da arte.
Sandra Honors
Bibliografia:
Por uma bibliografia comparada da arte - José Costa D'assunção Barros
Guia de História da Arte - Giulio Argan

http://telahonors.blogspot.com.br/2013/07/teoria-da-visibilidade-pura-escola-de.html

Método Formalista


Método Formalista

Método Formalista


Partindo da Teoria da "Pura visibilidade", o método formalista de estudo da história da arte tem em Heinrich Wölfflin um dos seus grandes expoentes.
Wölfflin não se interessa por temas ou motivos da arte. Para ele, no estudo da história da arte, as formas expressam o estado de espírito de uma época e de um povo.
Ao lado do estilo pessoal encontra-se o estilo da escola, o estilo do país, o estilo de uma cultura.
De acordo com o autor, o Renascimento italiano é caracterizado pelo ideal da proporção perfeita, do completo, limitado e concebível. Já o Barroco oferece o ideal do movimento, da emoção, aquilo que é mutável e ilimitado.
“... Seu objetivo não é analisar a beleza da obra de um Leonardo ou de um Dürer, e sim o
elemento através do qual esta beleza ganhou forma. Ele também não tenta analisar a
representação da natureza de acordo com o seu conteúdo imitativo, nem em que
medida o naturalismo do séc. XVI difere daquele do séc. XVII, mas sim o tipo de
percepção que serve de base às artes plásticas no decorrer dos séculos.”
(WÖLFFLIN, 2006: 17)
Procura em seus estudos estilísticos da arte clássica do século XVI e da arte barroca do século XVII definir as maneiras pelas quais se organizam em torno de 5 pares de conceitos fundamentais:

1) Linear/pictórico
2)Plano/profundidade
3)Forma fechada/forma aberta
4) Multiplicidade/unidade
5) Claridade/ obscuridade


Linear e Pictórico:
Nos artistas clássicos, segundo Wölfflin,existe uma valorização da linha; as massas de luz e sombra encontram-se dentro de limites precisos, claros e pormenorizados - estilo linear.
No barroco, por outro lado, não conseguimos delimitar com precisão o contorno das formas, cujas imagens são mais claramente perceptíveis se vistas a uma certa distância.A imagem é oscilante e sem limites, o objeto é retratado em seu contexto.


Plano e Profundidade:
A disposição dos planos é paralela nas pinturas clássicas, que dispõe os objetos em camadas planas, a fim de dar maior clareza ao que está sendo retratado. Enquanto que na arte barroca os planos são constituídos por uma linha diagonal.


Forma fechada e forma aberta:
Nas pinturas clássicas existe um equilíbrio em torno de um eixo central, ao passo que no barroco esse eixo inexiste e os objetos e pessoas são na verdade um fragmento, um instante passageiro casualmente extraído do mundo visível.


Multiplicidade e Unidade:
No clássico, cada objeto, cada personagem está individualizada, podendo o observador destacar mentalmente cada um deles separando-os do conjunto.
No barroco, cada forma isolada nos remete imediatamente ao conjunto, a uma visão global, não podendo ser destacados individualmente. há uma fusão das figuras em um todo homogêneo e indivisível, no qual é quase impossível destacar formas isoladas.


Claridade e Obscuridade:
No barroco a luz ao mesmo tempo mostra e esconde e nem tudo está explícito como na pintura clássica, onde todas as formas estão visíveis até a extremidade.
No estilo barroco, o artista ao valorizar a sombra, confere à obra um tratamento expressivo e sentimental, ao passo que a pintura clássica puxa mais pelo intelecto, justamente pela sua clareza e "legibilidade".

Sandra Honors


Referência:
Conceitos Fundamentais da História da Arte. - Heinrich Wölfflin
As teoria da arte - Jean Luc Chalumeau

http://telahonors.blogspot.com.br/2013/07/metodo-formalista.html

Erwin Panofsky




Erwin Panofsky

Erwin Panofsky


Van der Weyden, A visão dos Três Reis Magos



Iconografia: Termo que tem origem em duas palavras gregas: Eikòn ( Imagem) e Graphia (escrita).

Chegamos ao significado, portanto: escrita ou descrição de imagens.
As imagens e as obras de arte, repletas de significados, trazendo em seu bojo, um contexto cultural determinado.

Para Erwin Panofsky , a iconografia seria a descrição, a classificação, o estudo das imagens, compreendendo essas dentro de um contexto cultural determinado e de uma determinada época em que surgiram. Requer um profundo conhecimento e domínio de diversas áreas do saber, para que seja possível identificar os elementos da imagem.

Já a iconologia, interpreta e descobre significados da obra de arte, dentro de uma base filosófica, histórica, religiosa, sociológica, de uma determinada época, ou período específico. Busca-se decifrar as mensagens mais profundas, que o autor da obra quis transmitir.

Panofsky, um dos principais representantes do chamado método iconológico, define três momentos inseparáveis do ato interpretativo das obras em sua globalidade:. Ele estabelece três níveis de interpretação da obra:


1) Nível primário, pré iconográfico, ou natural,
2) Segundo nível, ou nível secundário,ou convencional
3)Terceiro nível, ou significado profundo, nível iconológico


No nível primário, identificamos as formas, as configurações de linha e cor, determinados pedaços de bronze, ou pedra . É o dizer aquilo que se vê. O número de personagens, seus gêneros, como se vestem, quais são os seus aspéctos, o espaço e objetos ao redor, os elementos da natureza, etc.
O mundo das formas puras, que trazem em si significados naturais.
É fazer uma descrição daquilo que se vê.
A compreensão e exposição desses motivos corresponde para o autor, a "descrição pré- iconográfica.
Temos nessa etapa uma descrição, que dependeria basicamente da nossa experiência prática.
Qualquer pessoa poderá reconhecer a forma e o comportamento dos seres humanos, animais, plantas, como também, distinguir diversos estados e humores.

No segundo nível, buscamos a convenção. O que um gesto convencionalmente significa,por exemplo. Determinados gestos são vistos diferentemente em diferentes culturas.O que pode significar cordialidade em uma cultura, pode significar uma ofensa em outra.
Nessa fase, o objetivo é descobrir o tema.
Passamos do mundo natural para o nível inteligível.
No caso de nos depararmos com algo pouco familiar, ou desconhecido, teríamos que ampliar o alcance de nossa experiência prática, consultando bibliografias, significados dos símbolos, das alegorias, das personificações,consultando peritos, etc.
De qualquer forma, nossa experiência prática pode não garantir a exatidão de nossa descrição iconográfica, motivo pelo qual Panofsky recorre à história dos estilos como um instrumento corretivo deste primeiro nível.


Por exemplo, numa descrição pré- iconográfica da obra de Roger van der Weyden " A visão dos três Reis Magos". O que nos dá a certeza de que a criança que paira no céu é uma aparição?
Os halos dourados não servem como explicação, pois o Meninos Jesus também é representado com esse halo em outras obras, onde é certo tratar-se de uma criança real e não uma aparição.


O fato de estar pairando no ar, também não pode ser considerada uma explicação certa, pois comparando essa obra a uma miniatura dos Evangelhos de Oto III, uma cidade é representada pairando no ar, mas não se trata de uma aparição, senão a cidade propriamente dita.Trata-se mesmo da cidade de Naim, onde Cristo ressuscitou o jovem. O fato é que a cidade foi representada fora de uma representação de espaço realista, com respeito às leis de perspectiva, etc.. Não há neste caso nenhuma conotação miraculosa nessa cidade suspensa no ar. Temos portanto que localizar as variações das formas de representação conforme as condições históricas. Esse princípio corretivo é o que podemos chamar de história dos estilos.


Se o nível primário, ou tema natural corresponde à descrição pré iconográfica da obra, o segundo nível poderá ser apreendido, quando associamos ao primeiro um conceito, um significado determinado por uma convenção.
Esses motivos são chamados de "imagens", ou, se são uma combinação de imagens, "alegorias", ou "estórias", onde se analisa a figuração iconograficamente.
Aqui estão presentes a intenção consciente do artista, mesmo que certas qualidades expressivas não sejam intencionais.
Para esse nível de análise, serão necessários mais do que apenas a experiência prática, pois se fará necessário conhecimentos sobre temas específicos e conceitos.


Esse conhecimento poderá ser adquirido por fontes literárias, ou ainda pela tradição oral.
Neste nível, Panofsky aplica um instrumento corretivo, que é a história dos tipos.
Assim, no tema secundário, ou convencional, há a percepção de que um grupo de pessoas sentadas ao redor de uma mesa, numa determinada posição representa a última ceia. Ou ainda, que uma figura masculina segurando uma faca representa São Bartolomeu. Mas, algumas vezes precisaremos recorrer ao instrumento corretivo neste nível de análise,que é a já citada, história dos tipos.







Um exemplo que ilustra esse fato foi o erro na análise iconográfica da pintura de Francesco Maffei, onde observamos uma jovem segurando uma espada e uma bandeja com a cabeça de um homem degolado. A bandeja com a cabeça poderia nos levar a acreditar tratar-se de Salomé. Mas, a espada é atribuída à Judite, que ao decapitar Holofernes,coloca sua cabeça em um saco.
Segundo Panofsky, se compararmos os tipos com as pinturas do século XVI, poderemos verificar que a bandeja está presente em várias representações de Judite. Porém, não havia um "tipo" de Salomé com a espada. Daí podermos concluir que a obra de Maffei representa Judite e não Salomé, como já havia sido pensado.



Francesco Maffei "Judite"
Desta forma, através da verificação e investigação da maneira pela qual, em condições histórias determinadas, os objetos e fatos eram expressos e representados, podemos ter uma análise iconográfica mais exata.

Por fim, chegamos ao terceiro nível , ou significado intrínseco de uma obra. Este significado nos é dado pela determinação de princípios subjacentes que revelam a atitude básica de uma nação, de um período, de uma classe social, crença religiosa, ou filosofia. A interpretação iconológica, onde o pesquisador investiga outros documentos,que sirvam de testemunhas de tendências políticas, religiosas, sociais,filosóficas,do país e do período em questão. Esses elementos formam chamados "valores simbólicos" por Ernst Cassirer, e é justamente a interpretação desse valores simbólicos que seriam o objeto da iconologia.

Para Panofsky na interpretação iconológica, há uma interpretação da obra de arte, no intuito de descobrir a mensagem que o autor dessa obra tentou transmitir. Sua essência, sua mensagem mais profunda. Ela requer algo mais que o conhecimento dos conceitos ou temas específicos encontrados nas fontes literárias.
É necessário nessa etapa, conhecer o artista, a cultura, a mentalidade e o contexto histórico de sua época. Também se faz necessário saber sobre o comitente assim como, o local para qual a obra foi destinada.

Para apossar-se dos princípios básicos que orientavam essa percepção era
necessário utilizar-se da intuição sintética, que deveria “ser corrigida por uma
compreensão da maneira pela qual, sob diferentes condições históricas, as
tendências gerais e essenciais das mentes humanas foram expressas por temas
específicos e conceitos” Explica a existência da obra, num determinado contexto e num determinado lugar, embasados em fatores extrínsecos à obra.


Sandra Honors


Fonte:

Estudos de Iconologia - Temas Humanísticos na Arte do Renascimento - Erwin Panofsky

As teorias da Arte - Jean Luc Chalumeau
Guia de história da Arte - Giulio Argan e Maurizio Fagiolo
Iconografia como metodologia investigativa em história da Arte - Luis Casimiro

http://telahonors.blogspot.com.br/2013/09/erwin-panofsky.html

Platão - A Arte e o Belo


Platão - A Arte e o Belo








Platão em seu diálogo, "A República", conclui estar a pintura e a escultura abaixo da
verdadeira Beleza, sendo supérfluas se comparadas aos objetivos da ciência, uma vez que sua produção é inconsistente e ilusória.

Para o filósofo, o Belo, como valor atribuído às coisas, deriva da "Beleza Universal". As coisas são belas na medida em que participam da beleza transcendente, que se comunica com o mundo sensível - mundo material - transmitindo-lhes qualidades, que na realidade pertencem ao mundo inteligível das ideias, ao mundo das essências imutáveis. Só as essências existem verdadeiramente. A imutabilidade é o sinal que distingue a realidade e perfeição, daquilo que é falho, em permanente mudança.

O pintor e o escultor imitam as coisas do mundo, que por sua vez, já são cópias da realidade perfeita. Imitam a aparência sensível, ilusória, enganadora, simulando uma realidade que não possuem efetivamente.

Para Platão, se o artista fosse verdadeiramente sábio, ele não trocaria a realidade pela aparência, enredando a alma para o engano e equívoco.
Não há razão para o artista reproduzir formas que são inferiores - uma vez que já são cópias de uma realidade perfeita - reproduzindo apenas o mundo da aparência.

Até mesmo o artesão estaria em contato mais próximo com o mundo inteligível, quando trabalha com a matéria dando-lhe uma forma - por exemplo, quando concebe a forma de um leito - pois essa forma participa da ideia universal de todos os leitos possíveis, ao contrário do pintor e escultor que reproduzem uma figura singular, de um objeto sensível.
O artesão fabrica objetos úteis, que imitam certas essências, enquanto a pintura e a escultura reproduz as coisas mutáveis do mundo sensível, cuja beleza é precária e ilusória.

Platão em seu Livro X, de "A República"cita um exemplo de uma cama produzida por um artesão, para demonstrar que a arte é uma imitação e não a reprodução de uma realidade.

Ele distingue três níveis de produção:
Primeiramente, o produtor supremo, o "deus" que faz vir à presença a apresentação do puro Aspecto das coisas, o Protótipo, a Ideia.

No segundo nível, o artesão, que fabrica o objeto, que faz aparecer na madeira o objeto singular que corresponde à "ideia" de cama, obedecendo a suas condições de utilização.

No terceiro nível está o pintor, que se contenta em indicar uma visão da cama, uma aparência de sua materialidade, distante da própria Ideia de cama, onde se inclui seu uso. O pintor não faz surgir nem o puro Aspecto de uma cama, nem uma cama que se pode ser usada. É apenas um "operário" da imagem.

Além da reflexão acerca da Arte e Realidade, Platão também observa que a poesia e a música exercem grande influência emocional, afetando o comportamento dos homens, tanto positiva, como negativamente, quando esta se rebaixa a reproduzir aquilo que intranquiliza a alma e prejudica a sua elevação.

Platão confere ao poeta um status maior, acima dos artífices - tanto artesãos, como pintores e escultores . Considera a poesia a arte máxima, aquela que maior afinidade possui com a inteligência e atividade do espírito e com a verdadeira beleza.
Platão atribui à poesia uma dignidade e função específica, situando-a no domínio das revelações místicas e filosóficas.
Considera esta - a poesia - veículo de conhecimentos extraordinários, inacessíveis à maioria dos homens, equiparando a figura do poeta a de um adivinho ou profeta, onde as poesias épicas ou líricas são concebidas e escritas sob ação direta da divindade, e portanto, não pertencentes à categoria de "póiesis", mas sim à categoria religiosa do "delírio", seja como manifestação divinatória, purificação do corpo e da alma, ou como inspiração das Musas.

O delírio do poeta transmite aos ouvintes o entusiasmo, despertando-lhes reminiscências da beleza universal, conhecida da alma, quando no reino das essências, de onde surgiu e da qual se apartou para ser aprisionada ao corpo.
Assim, a poesia instiga essas lembranças, reacendendo o desejo de retorno ao mundo inteligível, pátria original da alma.


Sandra Honors



Fonte: Introdução à filosofia da Arte - Benedito Nunes
A Obra de Arte - Ensaio sobre a ontologia das obras - Michel Haar

http://telahonors.blogspot.com.br/2013/09/platao-arte-e-o-belo.html

O Belo - Sócrates, Platão e Aristóteles


O Belo - Sócrates, Platão e Aristóteles










Entre os gregos existiam três acepções fundamentais acerca do Belo:


O Belo em termos estéticos - Inseparável da medida e contenção, onde a qualidade dos elementos, como os sons e as cores agradáveis, a regularidade das figuras geométricas e das formas abstratas - como simetria e proporções definidas, de maneira harmoniosa e adequada aos sentidos - seria tudo aquilo que é agradável à vista e aos ouvidos; sentidos estes de natureza intelectual, mais próximos da verdadeira essência da alma, que assim é afetada moderadamente.
O prazer estético de ordem superior, se contrapondo ao prazer físico, que sendo ilimitado leva ao desequilíbrio e insatisfação permanentes.


O Belo em termos moral - Diz respeito às almas equilibradas, em perfeita harmonia, ocupando o meio termo entre a virtude e o vício, a real medida do Belo.


O Belo em termos espirituais - a verdade alcançada através do conhecimento teórico, que uma vez conquistada possui a própria Beleza, a própria essência do Belo.


As Artes estariam dentro da concepção do Belo estético, subordinada, portanto, às outras duas concepções de beleza; a moral e a intelectual.
A beleza estética acalmando as paixões criam uma predisposição para a prática das virtudes, favorecendo o objetivo moral da Beleza, que seria a moderação e a prática das belas ações, que levam ao belo espiritual, a forma mais elevada de beleza.
Somente uma alma capaz de realizar belas ações, dedicada à vida contemplativa pode ascender à verdadeira beleza do Ser.


Na obra "O Banquete", Platão descreve o percurso do amor em direção à Beleza ética e moral, um meio pelo qual podemos chegar ao Bem e ao Belo e demais virtudes.
Somente depois de ultrapassarmos o amor primário e vil é que nos tornamos aptos para amar as almas e não os corpos e assim, atingimos o Belo supremo, a verdadeira Beleza.


Sócrates afirmava que nada escapa às imperfeições. Para que o artista reproduzisse coisas belas, próximas do ideal de Belo, teria que recorrer à reunião de várias belezas espalhadas na Natureza.
A Beleza ideal como a reunião dos fragmentos que compõem a Natureza caminhando no sentido da desordem para a ordem. Para que encontremos a Beleza é necessário caminhar pela estrada do conhecimento.


Para os filósofos gregos, a poesia, a pintura, a escultura e até mesmo a música eram consideradas Artes miméticas.

A mimese em Sócrates foi objeto de reflexão, documentada por Xenofonte, durante uma rápida conversa com o pintor Parrásio e o escultor Cleito.
Ele conclui que quando o pintor e escultor reproduzem a aparência exterior dos corpos será preciso que o artista reúna as partes belas de vários objetos da mesma espécie para que forme então, algo perfeito.
Se o artista pode reconhecer as coisas que são belas, associando as partes entre si num modelo ideal, isso prova que já existe em sua mente a ideia de Beleza, e na verdade, o pintor e escultor não imitam o modelo, mas sim, o idealizam.


Para Platão, o pintor e escultor imitam as coisas do mundo, que por sua vez já são cópias do mundo supra sensível, sendo assim, inconsistentes e ilusórias as suas obras. As Artes apenas imitam as coisas do mundo sensível, reproduzindo não mais do que apenas a aparência, uma simulação de uma realidade que não possuem.

Em relação à música, Platão relaciona determinados modos harmônicos com sentimentos específicos, qualificando os ritmos com uma escala de atitudes. Existem ritmos que imitam a baixeza e desregramento, assim como harmonias que são patéticas, melancólicas, outras ainda, entusiásticas, energéticas e marciais.
A música exteriorizando afetos e sentimentos humanos. Uma imitação de um conteúdo psíquico e moral, através das combinações de sons.


Para Aristóteles não haveria nenhum sentido a simples cópia ou duplicação de uma imagem de um ser individual.
A mímese artística seria um prolongamento de uma tendência à imitação, natural aos homens e animais, decorrente da necessidade de adquirir experiência, de aprender e conhecer, que pressupõe o uso do intelecto, uma vez que para imitar é necessário imaginar e comparar.

Assim, o artista não deve reproduzir traço a traço todas as peculiaridades do que está representando, mas sim, as características gerais, inclusive acrescentando tudo que falte à coisa para que esta seja o exemplar de sua espécie ou categoria.
Assim, o artista não imita o individual ou as coisas como são, mas como devem ser, conforme os fins que a Natureza se propõe a alcançar.


Aristóteles usa o termo Verossimilhança, aceitando a aparência não como algo completamente real, nem como ilusão. Se a Natureza tem falhas, imperfeições e deficiências, a Arte tem condições de eliminar e corrigir esses erros.
O prazer proporcionado pela imitação se deve à semelhança da obra com a realidade, assim como, pela beleza intrínseca da obra, resultado da maestria com a qual foi concebida e executada.

Para Aristóteles, a "mimesìs" seria a representação obtida de acordo com as regras da adequação. Se um retrato for idêntico ao modelo, é verdadeiro, pois é adequado.
O prazer estético se deve ao fato de que a obra de arte nos leva a um raciocínio , onde fazemos comparações do retrato com o modelo - independente desse modelo representado ser belo ou feio; o que nos importe é o reconhecimento intelectual desta relação mimética.

A imitação também se estende às coisas desagradáveis à vista, repelentes e ameaçadoras, que através da Arte sofrem uma transfiguração em seu aspecto natural, tornando-se atraentes. É que o Belo na Arte não coincide com a beleza exterior dos objetos representados, mas sim, com a maneira de representar as coisas ou ações, a natureza e o homem.


Em sua poética Aristóteles diz que a epopeia a tragédia, a comédia e certas espécies de música instrumental e de canto, a dança e a pintura têm por essência comum imitar a realidade natural e humana.
As representações imitativas na poesia retratam, com palavras e por intermédio de atores, homens em ação, sendo que a tragédia ocupa-se dos bons e nobres e a comédia dos maus e vis. A epopeia imita utilizando-se da narrativa.
O efeito catártico da tragédia estende sua influência ao plano moral da vida, neutralizando os sentimentos excessivos, estabelecendo um novo sentimento harmonioso e equilibrado.






Sandra Honors
Fontes: Introdução à filosofia da Arte - Benedito Nunes.
A Obra de Arte - Ensaio sobre a ontologia das obras - Michel Haar

http://telahonors.blogspot.com.br/2013/10/o-belo-socrates-platao-e-aristoteles.html

As tentações de Cristo - Sandro Botticelli


As tentações de Cristo - Sandro Botticelli











As Tentações de Cristo




Sandro Botticelli



Um afresco, encomendado a Botticelli pelo Papa Sisto IV para a capela do conclave, que se veio a chamar Capela Sistina, precisamente pelo fato de ter sido esse Papa que a mandou construir.
As três tentações de Cristo integram-se na Cena do Sacrifício Judeu. À esquerda de quem olha, ao fundo alto, vemos a tentação do pão; na cena do meio, a tentação no pináculo do templo, tentação do triunfo e da glória; à direita, a tentação das riquezas e do domínio sobre os reinos da Terra.
Interessante é o fato de o pintor as ter enquadrado na cena do Sacrifício Judaico, que diariamente se realizava diante do templo de Salomão. Observamos o Sumo Sacerdote, diante do fogo, recebendo uma taça cheia de sangue, enquanto outras pessoas levam animais (galinhas, numa bacia, ao fundo, do lado esquerdo) lenha (figura feminina, de branco, com um molho à cabeça), cacho de uvas (a criança, à frente desta última figura feminina).




O sentido do quadro parece evidente: o mundo será salvo, não pela abundância de comida (o pão), nem pelo espetáculo da glória (pináculo) nem pelo poder e riquezas deste mundo (3ª tentação). O verdadeiro sacrifício salvador é o do corpo e sangue de Cristo, prefigurado na carne dos animais sacrificados e no vinho das uvas trazidas pela criança. O próprio Cristo, rodeado de quatro anjos, logo abaixo da cena da primeira tentação, parece explicar o sentido da cena.
Na primeira tentação, vemos o demônio apontando as pedras. Como é próprio da tentação, aparece disfarçada de bem. Assim, o demônio veste hábito de monge eremita e empunha umas contas na mão esquerda, fazendo pensar que é um homem de oração. O fato de ter barbas brancas e se apoiar num bordão significa que é um monge idoso, portanto homem de virtude provada. Este tipo de disfarce tem atrás de si uma tradição iconográfica medieval.




A verdadeira natureza do demônio revela-se, porém, quer nas patas de ave de rapina, quer nas asas de morcego que lhe nascem das costas. No bestiário demoníaco, o morcego é um dos animais que mais frequentemente simboliza o demônio. Como se oculta nas cavernas, donde apenas sai de noite, parece ter-se prestado, melhor que nenhum outro animal, para representar o Príncipe das Trevas. Esse simbolismo é tanto mais evidente quanto, por oposição, a imagem de Cristo se encontra envolvida por uma auréola de luz que irradia da cabeça e das costas, em oposição às asas negras que saem das costas do demônio.




Na terceira tentação, contudo, ao fundo alto, do lado direito, enquanto Cristo mantém os atributos luminosos, o demônio revela a sua verdadeira natureza. Deixa cair o bastão e perde o hábito monacal, mostrando então o corpo animalesco recoberto de pelos. O fato de apresentar cauda leva-nos a interpretar a figura como combinação de morcego (asas), águia (patas) e leão (cauda e pelos). O leão pode representar Cristo, mas também o demônio, simbolismos que já vem do Antigo Testamento (Sansão e David lutam com leões e matam-nos. Recorde-se também o versículo do salmo 21 “Salva-me da boca do leão”). Este último é o simbolismo dos leões antropófagos de muitas igrejas românicas. Para o confirmar, nem precisamos de sair de Braga. Basta observar a decoração que se encontra na base da pia batismal da Sé de Braga, onde leões devoram as crianças que não forem batizados.




Luís da Silva Pereira, Professor de Arte Sacra e de Iconografia

http://telahonors.blogspot.com.br/2014/02/as-tentacoes-de-cristo-sandro-botticelli.html

Madona na Floresta - Fra Felippo Lippi


Madona na Floresta - Fra Felippo Lippi



A Madona na Floresta , concluída até 1459, pintura de Filippo Lippi . A Virgem Maria e o recém- nascido Menino Jesus deitado ao chão , num cenário, íngreme, escuro e arborizado . Não há pastores , reis, boi , burro , nem São José . Lippi remove toda uma gama de detalhes narrativos, comuns na temática da natividade e adoração de Jesus na época . Foi pintado para um dos homens mais ricos da Florença renascentista, o banqueiro Cosimo de Medici .

Florença na década de 1440 vivia um momento expansivo em sua história. Cosimo era o homem mais rico de Florença, um homem de poder , que ciente de ter levado uma vida pecaminosa . Tinha um filho bastardo e enriquecera emprestando dinheiro e cobrando juros , cometendo o pecado da usura , uma prática a ser punida pela eternidade no inferno .
Cosimo manda construir a primeira capela interna já feita em toda a Itália , como uma oferta de paz a Deus . Um lugar para Cosimo ajoelhar-se e fazer penitência. As paredes eram decoradas com afrescos extravagantes , incluindo um retrato de si mesmo .
Mas o coração da sala seria o retábulo - a Natividade. Para isso escolheu um artista famoso, o frade carmelita - Fra Filippo Lippi e o resultado foi um dos trabalhos mais inovadores e belas do Renascimento italiano .
A pintura foi um exemplo de definição de um novo gênero na arte - a adoração - onde o foco é Maria e o Menino Jesus . Baseada nas visões e nos ensinamentos de Santa Brígida da Suécia, onde Cristo, Deus feito homem é colocado entre as rochas , o próprio material do qual o nosso mundo foi feito .
Em vez de pastores e sábios , Lippi apresentou dois santos humildemente vestidos .
João Batista ,com a idade de 7 anos, quando sai de casa para levar uma vida austera no deserto. Aqui ele carrega um pergaminho que proclama em latim : Eis o Cordeiro de Deus. Acima dele , ajoelhado em oração e profunda meditação, o monge , Bernardo de Claraval , fundador da Ordem de Cister e profundo devoto da virgem. São Bernardo depois de laboriosas jornadas retirava-se para a cela para escrever obras cheias de otimismo e doçura, como o Tratado do Amor de Deus e o Comentário ao Cântico dos Cânticos que é uma declaração de amor a Maria. É também o compositor do belíssimo hino Ave Maris Stella. Também é sua a invocação: " Ó clemente, ó piedosa, ó doce Virgem Maria" da Salve-rainha".
Poucas pinturas sobre a Natividade tinham incluído a Santíssima Trindade - Deus Pai, Seu Filho, e o Espírito Santo, em formato de pomba . Era uma questão importante para Cosimo, que havia ajudado a resolver uma disputa teológica sobre a natureza da Trindade.
Mas a pintura também tem um lado mais sombrio . As flores silvestres que crescem a volta de Jesus menino, apesar de sua delicadeza, ocultam um fato: - Suas cinco pétalas representam as cinco chagas que Jesus receberá durante sua crucificação. No chão, um pintassilgo, pássaro que se alimenta de sementes do espinheiro , chamando a atenção para a coroa de espinhos na ocasião de seu sacrifício.



Além disso, há a paisagem inquietante . Não há o cenário tradicional do estábulo, mas uma densa floresta escura - " . Esta foi a inovação de Lippi e uma obsessão de Cosimo, a floresta em Camaldoli, leste de Florença, onde , no século XI Romuald havia fundado um mosteiro , ao qual os Médici foram muito dedicados . Além disso, os monges derrubavam os altos pinheiros da floresta para fornecer madeira para as construções de Florença. Estas árvores caídas estão espalhadas através da pintura e lembravam também as palavras bíblicas de João Batista. "Agora está posto o machado até a raiz das árvores , e, no final , toda árvore que não produz bom fruto é cortada e lançada ao fogo" - uma evocação clara ao Juízo Final , ao fim dos tempos.
Felippo Lippi optou por assinar a obra no cabo do machado , em um virtuoso escorço . No ano de 1459 o trabalho de Lippi foi concluído e a pintura colocado acima do altar particular de Cosimo . Quatro anos depois, Cosimo morreu . Uma década depois de terminar a Adoração Fra Filippo Lippi morreu .
Sandro Botticelli, aluno de Filippo Lippi , adotou seu estilo que também foi muito apreciado por Michelangelo. Logo, sua obra "a madona na floresta" tornou-se um dos quadros mais copiados do século XV.



http://youtu.be/H67yogB28-s

http://telahonors.blogspot.com.br/2014/02/madona-na-floresta-fra-felippo-lippi.html

Nastagio Degli Onesti


Nastagio Degli Onesti



Decameron , uma coleção de cem novelas escritas por Boccaccio, entre 1348 e 1353.



É uma obra considerada um marco literário, onde mostra o período de transição vivido na Europa ao final da Idade Média, após o advento da Peste Negra.

Dez jovens , sendo sete moças e três rapazes, fogem das cidades tomadas pela peste que dizimava o continente Europeu e se recolhem em uma casa no campo. O Decameron, rompendo com a mítica literatura medieval é considerada a primeira obra realista da literatura.




Sandro Botticelli retratou Nastagio Degli Onesti, uma das histórias que integram o livro Decameron, a partir da oitava novela do quinto dia: "inferno amantes cruéis. " e dividiu-a em quatro passagens que considerou essenciais, elaborando um quadro para cada cena.








Primeira obra: O Encontro Com Os Amaldiçoados na Floresta de Pinheiros

Pintado em 1483, têmpera sobre tela e mede 0,83 por 1,38 m Está exposto no Museu do Prado.
Após ser rejeitado por sua amada, Nastagio perambula sozinho e triste em uma floresta de pinheiros para refletir. Subitamente, o jovem avista uma moça nua, perseguida por um cavaleiro e seus cães. Nastagio agarra um galho de árvore para tentar defender a moça.

Segunda obra: A Caçada Infernal

Pintado em 1483, têmpera sobre tela e mede 0,83 por 1,38 . Museu do Prado.

Desolado, Nastagio assiste à terrível cena em que a mulher é abatida e o cavaleiro arranca o seu coração e vísceras e entrega aos cães que as devoram. Em seguida, na cena ao centro e ao fundo da tela, podemos ver e o cavaleiro novamente perseguindo a mesma mulher, numa caçada sem fim. É a punição do cavaleiro, que o amor sem limites por sua amada, comete suicídio, assim como, uma punição para a jovem , que em vida fora cruel com seu amante, rejeitando-o.

Terceira obra: O Banquete na Floresta de Pinheiros

Pintado em 1483, têmpera sobre tela e mede 0,83 por 1,42 m . Museu do Prado
Nastagio arquiteta um plano: convida várias pessoas para um banquete no meio da floresta, para que todos testemunhassem a terrível caçada. Sua jovem amada, de branco, observa, desesperada o desenrolar da cena. Ela teme que venha a sofrer o mesmo destino da moça nua, pois também rejeitou o rapaz que a amava.Então, envia um emissário a Nastagio,( cena à direita no quadro), dizendo que concorda em casar-se com ele.

Quarta obra: O Banquete de Casamento

Pintado em 1483, têmpera sobre tela e mede 0,83 por 1,42 m . É o único dos quatro quadros que não faz parte do acervo do Museu do Prado, em Madri, pois pertence a um colecionador particular.
Neste, o banquete de casamento de Nastagio e sua amada é celebrado.
Os brasões familiares sugerem que o quadro foi pintado na ocasião de um casamento entre dois jovens de duas famílias de Florença, os Pucci e os Binni.

http://telahonors.blogspot.com.br/2014/03/nastagio-degli-onesti.html

Giotto





 
Giotto

Giotto di Bondone mais conhecido simplesmente por Giotto - 1267 - 1337 foi um pintor e arquiteto, conhecido na história da arte pela introdução da perspectiva na pintura, durante o Renascimento.
Com Giotto, começamos a notar a substância corpórea das figuras retratadas, além da expressividade dos rostos e das mãos. São retratos verdadeiros capazes de expressar as nuances da alma humana. Uma novidade absoluta em relação às figuras planas e hieráticas da tradição estabelecida pela arte bizantina. Pela primeira vez na história as figuras pintadas são tratadas como massas sólidas, que lançam suas sombras dentro do espaço com profundidade tridimensional. Com Giotto, a pintura deixa de ser apenas uma imagem devocional, para se tornar uma narrativa. Eventos e passagens que ocorreram num tempo e lugar específicos, com paisagens bastante convincentes e uma arquitetura autêntica e habitável. Estas são as razões que o tornam Giotto um revolucionário com um lugar relevante e decisivo na história da arte ocidental.
O legado da arte de Giotto nos possibilita a compreensão do pensamento humanista que surgia durante o século XIV.
Em " a história de são Francisco de Assis" , este foi representado humanizado e não sobre-humano como era de costume representar as figuras sacras da época, onde a arte até então, era voltada para a religião, seguindo os moldes da arte bizantina: Uma imagem do santo centralizada, imóvel, e ao redor, pequenas cenas que contavam sua história. Ao contrário, Giotto em sua obra conta, narra a vida cotidiana de São Francisco.
Os personagens em sua obra não são todos iguais,como na tradição bizantina, mas sim, personagens individualizados, com expressão singular em seus rostos, na linguagem das mãos das figuras que se olham, que atuam, interagem.

http://telahonors.blogspot.com.br/2014/03/giotto.html

Masaccio


Masaccio


Tomaso di Giovanni, conhecido como Masaccio (1401 – 1428) foi um grande pintor renacentista.

Um artista revolucionário por suas novas concepções de espaço, onde figuras intensamente modeladas pelo "claro-escuro", dotadas de volume e de realismo, ocupam igualmente um espaço real, concreto e mensurável. Razão pela qual, Masaccio ocupa um lugar decisivo na história da arte ocidental.

A Trindade é um dos mais famosos afrescos de Masaccio e encontra-se na igreja de Santa Maria Novella , em Florença. A obra, provavelmente executada em 1427, representa a coquista de sua plena maturidade artística, realizada pouco antes de sua morte prematura em Roma, em 1428.

O tema da pintura é a Santíssima Trindade: Deus, o Espírito Santo - na forma de uma pomba e Cristo. É visível o seu sofrimento e ao mesmo tempo é impressionante a representação de seu corpo e de sua gravidade , preso na cruz. Ao lado da cruz, Virgem Maria, retratada como uma mulher madura, apontando para Cristo, a salvação dos homens; do outro lado encontra-se João Batista. Fora do espaço sagrado, num plano mais abaixo , de joelhos, os patronos. ( os que pagaram ao pintor para realização da obra); os doadores como testemunhas da crucificação.

O artista aplica as regras da perspectiva científica na pintura . Ficamos imediatamente fascinados pela incrível profundidade espacial da arquitetura, numa visão tridimensional nunca antes realizada sobre uma superfície plana, tal como uma parede .

Ele utilizou várias técnicas de perspectiva para dar ao espectador a ilusão de que a cena era real. Quando Masaccio pintou o afresco , tamanha era a perfeição do uso da perspectiva linear empregada por ele, que as pessoas pensavam que havia sido aberta uma cavidade na parede da Igreja de Santa Maria Novella , e ali fora erguida uma capela.

O artista pensou toda a cena, imaginando que o espectador a veria de baixo para cima, e criou um teto em arco, colunas e capitéis, mostrando a construção do espaço e das figuras bem modeladas, incrivelmente reais. Um espaço racional, com profundidade e realismo em uma pintura.

As figuras estão dispostas em uma composição piramidal e na parte inferior, um esqueleto repousa sobre um sarcófago com a inscrição "Aquilo que sou, vós também sereis".Mostrando a todos nós que a morte é inevitável.

As figuras pintadas com realismo por Masaccio , estão em um espaço concreto e mensurável, colocando um fim à concepção medieval da pintura, dando início a um novo período da história: O Renascimento ; a noção de que o home pode observar, entender e até certa medida, controlar o seu mundo, a serviço de Deus.

http://telahonors.blogspot.com.br/2014/03/masaccio.html

Gosto se discute? A Crítica da faculdade do Juízo, de Immanuel Kant



Gosto se discute? A Crítica da faculdade do Juízo, de Immanuel Kant


Na Crítica da faculdade do Juízo, de Immanuel Kant há duas afirmações , a princípio contraditórias, que assumem a forma de teses que se opõem: uma tese e uma antítese. É o que Kant denomina "antinomia do gosto".
A tese: "O juízo de gosto não se funda em conceitos, caso contrário, poderíamos disputar acerca da beleza". ( decidir por meio de demonstrações lógicas).

A antítese: " O juízo de gosto se funda em conceitos, caso contrário, não poderíamos sequer discutir a beleza."

Qual então o lugar da beleza?

É um conceito objetivo universalmente válido e necessário, ou, ao contrário, é algo subjetivo e que se funda apenas em inclinações pessoais, uma questão de âmbito privado e incomunicável?

Crítica para Kant, significa um exame do alcance e dos limites de nossos poderes cognitivos.

A "Crítica da razão Pura" fala sobre o conhecimento científico, necessário e Universal. Foi a primeira etapa do projeto sistemático de Kant visando a estabelecer a abrangência e os limites de nosso conhecimento, daquilo que podemos ou não conhecer; ou seja, trata-se de filosofia teórica voltada à teoria do conhecimento.

Em a "Crítica da razão prática", Kant analisa as condições de possibilidade para uma moral com pretensão universalista dos atos. Ele voltou-se imediatamente para moral, ou o conhecimento prático das leis que comandam as ações humanas e na capacidade que a razão tem de criar uma causa que, diferente do mundo mecânico natural, não depende de nenhuma causa anterior a ela. O ato livre não teria nenhum fator externo que o determinasse, É o fazer, pelo sentimento de dever que sou capaz de perceber e a necessidade de determinadas ações.

Em sua 3ª crítica, a "Crítica da faculdade do juízo",Kant fala sobre a possibilidade dos juízos estéticos, universais e necessários. Investiga os limites daquilo que podemos conhecer pela faculdade de julgar, que leva em consideração não apenas a razão, mas também a memória e os sentimentos.

Os enunciados de um juízo é o que é denominado, proposição ou premissa.

O juízo "a priori", é o conhecimento puro, que independe da experiência. Ele é essencial e se aplica a qualquer situação; já, o juízo "a posteriori" é dependente de uma experiência ou evidência empírica. Esses conhecimentos experimentais são os que nos fornecem sensações, conhecimentos que não podem ser separados de nossas impressões sensoriais. Mas eles não produzem juízos essenciais, que possam ser aplicados a qualquer situação.

Os juízos analíticos são aqueles em que os atributos fazem parte do próprio conceito. Por exemplo, na afirmação de que todos os corpos são extensos, a qualidade "extenso" já está contida no termo "corpo". Os juízos analíticos são típicos da tradição racionalista cartesiana, que construía a ciência com explicação dedutiva a partir de algumas verdades evidentes. Embora sejam "a priori" e possuam o mérito da indiscutibilidade, eles limitam-se à afirmações óbvias, não podendo construir a base de um conhecimento cognitivo.

Já os juízos sintéticos, mesmo que sejam fecundos em produzir novos conhecimentos, encontram em contrapartida a limitação e dependência de uma experiência concreta. Eles acrescentam predicados novos ao conceito. Mas a afirmação da existência de alguma coisa só é possível "a posteriori", ou seja, somente depois de ter passado pela experiência concreta. O predicado não é extraído do sujeito, mas pela experiência. Exemplo da afirmação de que "o corpo é pesado". Diferentemente da afirmação de que o corpo é extenso, onde o predicado está implícito no conceito "corpo", o fato de ser "pesado" não é um conhecimento subentendido no conceito, mas adquirido "a posteriori" , através da experiência. Essa afirmação "a posteriori" de que o corpo é pesado, agrega um conhecimento empírico, qual seja, o peso.Mas, a experiência é o único meio pelo qual esse conhecimento, esse predicado, pode ser obtido. Mas, para Kant, se podemos afirmar a existência de alguma coisa somente depois de ter passado pela experiência concreta, essa ciência não pode ser preditiva.

Para o filósofo, o racionalismo e o dogmatismo deram muita ênfase aos elementos apriorísticos, enquanto o empirismo , havia reduzido o conhecimento aos elementos experimentais "a posteriori".

Seria, pois necessário a formulação de uma abordagem do conhecimento, que ao mesmo tempo que tivesse certeza e universalidade dos juízos analíticos "a priori", não nos lançasse no terreno do dogmatismo. Uma abordagem híbrida, onde a sensibilidade e a fecundidade dos juízos sintéticos se somasse ao Entendimento .

Portanto, tais juízos teriam que ser conhecimento" sintético a priori", porque, uma vez suas leis estabelecidas pela observação, passam a ser universais e independentes da experiência.

A Crítica do Juízo, a terceira e última crítica de Kant, descreve dois tipos de juízos que constituem a faculdade de julgar: o determinante e o reflexionante. Os juízos reflexionantes são de dois tipos: os estéticos e os teleológicos.

Se de um lado temos um pensamento fundado em leis da razão e do entendimento, em regras que não variam de uma pessoa a outra, de uma cultura a outra, ou mesmo de uma época a outra, ou seja, um conhecimento fundado em princípios universalmente válidos e necessários, por outro lado, temos um empirismo estético não racionalista, onde ao dizer "esta rosa é bela" , traduzo apenas num juízo um senti­mento de prazer que acompanha essa contemplação.

Assim, o juízo estético é reflexionante, porque descreve aquilo que o sujeito sente. A beleza não é uma coisa nem uma propriedade das coisas. É um sentimento que é vivido no interior do sujeito e do qual este tem consciência.

O juízo estético é igualmente a expressão de um sentimento de prazer puro e desinteressado; o sentimento do belo nada tem a ver com a fa­culdade de desejar, ou com a vontade. Dizer que algo é belo é diferente de dizer que é agra­dável. Não julgo algo belo por necessidade, por um desejo de posse.
O agradável, sempre possui alguma relação de desejo com o objeto qualificado de belo.

O prazer desinteressado significa que o sujeito que faz um julgamento estético sobre um objeto não tem nenhuma necessidade de possuir ou consumir esse objeto, ou seja, o objeto não desperta qualquer desejo no sujeito que o contempla.

Segundo Kant, para nos pronunciarmos sobre a qualidade estética de alguma coisa, para julgarmos se algo é belo ou não, devemos contemplá-lo abstraindo de nossa consideração, qualquer possí­vel utilidade, inutilidade e também , qualquer noção de moralidade. O juízo estético é radicalmente di­ferente de qualquer juízo ligado a um interesse.

Enquanto su­jeito estético acolho a livre manifestação do objeto e digo simplesmente o que sinto, o que se passa em mim. Assim, juízo de gosto é subjetivo. Contudo, este juízo pretende ser universalmente comunicável. O juízo esté­tico é subjetivamente universal, pois quando eu digo que algo é belo eu pretendo traduzir um sentimento que se verifica em mim, mas que também deve ocorrer nos outros sujeitos, pois meu juízo não se baseia em inclinações ou interesses particulares e pessoais. Assim, acredito que posso julgar-me no di­reito de que os outros reconheçam também a beleza do objeto e experimentem o tipo de satisfação que eu sinto.

Quando contemplo uma paisagem e sinto um prazer puro e desinteressado nessa con­templação, meu entendimento traduz essa experiência formulando um juízo: "Esta paisagem é bela."O conceito de beleza unicamente exprime um sentimento, mas não o explica, porque se isso acontecesse a experiência já não seria estética mas de conhecimento. A universalidade do juízo acerca da beleza não é baseado em conceitos. Ou seja, quando alguém propõe compartilhar o sentimento de beleza, não pretende convencer os outros por meio da subsunção desse objeto (singular) em um conceito (universal.)

Nas palavras de Pedro Costa Rego,temos o direito de candidatar nossa avaliação estética a um estatuto de juízo universalmente válido. Há um fundamento no sujeito para isso. Mas, jamais deixará o belo de ser uma universalidade subjetiva, uma universalidade meramente reivindicada.

Como o juízo estético tem de ser ex­pressão de um prazer puro ou desinteressado, que não submete o objeto a nenhum desejo, interesse ou fim, também a sua finalidade só pode ser uma "finalidade sem fim". O valor-em-si do juízo estético pressupõe um prazer desinteressado, portanto não finalista.

E finalizando com as palavras de Luc Ferry: Homo aestheticus: a invenção do gosto na era democrática, “A solução da antinomia do gosto encontra aqui sua explicação e seu significado. Contrariamente ao que afirma o racionalismo clássico, o juízo de gosto não se fundamenta em conceitos (regras) determinados: portanto, torna-se impossível ‘disputar’ acerca dele como se tratasse de um juízo de conhecimento científico. No entanto, ele não se limita a remeter à pura subjetividade empírica do sentimento, porque se baseia na presença de um objeto, que se é belo (...), desperta uma ideia necessária da razão que é, enquanto tal, comum à humanidade. Portanto, é em referência a essa ideia determinada (..) que é possível ‘discutir’ o gosto e ampliar a esfera da subjetividade pura para visar uma partilha não dogmática da experiência estética com outrem enquanto outro homem”



Fontes:

Kant- Crítica da Faculdade do Juízo
Kant - Crítica da Razão Pura

Georges Pascal - Compreender Kant

Pedro Costa Rego - Palestra proferida no Seminário Internacional do Vale do Rio Doce

Textos diversos ( Internet), anotações de aulas e resumos.

http://telahonors.blogspot.com.br/2015/02/gosto-se-discute-critica-da-faculdade.html

quinta-feira, 1 de junho de 2017

Seis Propostas para o Próximo Milênio


Leveza - Seis propostas para o próximo milênio


Reflection Julie Tremblay

Ao ser convidado a fazer as “Charles Eliot Norton Poetry Lectures, que seriam desenvolvidas ao longo do ano de 1985-86, na Universidade de Harvard, Cambridge, Ítalo Calvino decide-se por tratar de valores literários que mereciam ser preservados no curso do novo milênio que se aproximava.
Valores como, Leveza, Rapidez, Exatidão, Visibilidade e Multiplicidade. O sexto valor, “Consistência”, não chegou a ser desenvolvido, nem foram realizadas as conferências, devido sua morte prematura.
Dessas conferências surge o livro, ”Seis propostas para o próximo milênio”, cujo primeiro ensaio é a Leveza.


Leveza:


Calvino afirma, que depois de 40 anos escrevendo ficção, reconhece que seus esforços sempre foram no sentido de subtrair o peso das figuras humanas, do ambiente, das estruturas narrativas e da linguagem.
Talvez perseguisse o ideal do poeta italiano Giacomo Leopardi, cujo milagre, segundo Calvino, “consistiu em aliviar a linguagem de todo o seu peso, até fazê-la semelhante à luz da lua” (Calvino, 1990 p.36)


Reconhecendo a leveza sempre como uma oposição ao peso, ele esclarece que diante da inércia e petrificação do mundo, devemos sempre, à maneira do herói Perseu, que vence a monstruosa Medusa, observando-a através do reflexo de seu escudo, buscar uma visão indireta das coisas, procurar outros ângulos, outras perspectivas acerca do mundo, sem que com isso recusemos a realidade.


Calvino encontra nesse mito uma alegoria da relação do poeta com o mundo.
“À maneira de Perseu eu deveria voar para outro espaço. Não se trata absolutamente de fuga para o sonho ou o irracional. Quero dizer que preciso mudar de ponto de observação, que preciso considerar o mundo sob outra ótica, outra lógica, outros meios de conhecimento e controle” (Calvino 1990 p.19).


Com o poeta e filósofo Lucrécio, descobrimos um mundo constituído de pequenas partículas, infinitamente minúsculas, móveis e leves. O poeta dissolve a compacidade do mundo; já em Ovídio, com suas fábulas mitológicas, percebemos os tênues envoltórios que diferenciam a diversidade de cada coisa, todas constituídas de uma mesma substância, que se transformam se agitadas por uma profunda paixão.
Aqui encontramos a estrutura que poderá nos guiar em nossas escolhas:


- A existência da leveza sempre em oposição ao peso;


- O olhar atento, que sempre busca outros ângulos e outras perspectivas acerca do mundo, recusando com isso uma visão direta e óbvia das coisas (o peso), buscando, ao contrário, as sutilezas e elementos delicados (a leveza) que se opõem e resistem ao peso;


-A vida como matéria prima, como fonte de inspiração de toda criação, onde precisamos retirar-lhe o peso, dissolver sua materialidade para que possamos encontrar a leveza, ou ainda, perceber o movimento das coisas e de sua continua passagem de uma coisa a outra.




Em “Picolo Testamento” de Eugenio Montale, ele aponta a maneira deste poeta extrair elementos delicados de um universo árido e apocalíptico, onde se reconhece a “fé na persistência do que há de mais aparentemente perecível, e nos valores morais investidos nos traços mais tênues”. (Calvino, 1990 p. 18).


Em Milan Kundera (A Insustentável leveza do Ser) Calvino reconhece a vivacidade e a mobilidade da inteligência, como talvez, as únicas qualidades capazes de escapar da condenação ao peso.




Visitando Boccaccio, em Decamerão, nos deparamos com o poeta Guido Cavalcanti, que segundo Calvino, oferece a imagem que deveria ser o reflexo do novo milênio.” O salto ágil e imprevisto do poetafilósofo, que sobreleva o peso do mundo, demonstrando que a sua gravidade detém o segredo da leveza, enquanto aquela que muitos julgam ser a vitalidade dos tempos, estrepitante e agressiva, espezinhadora e estrondosa, pertence ao reino da morte, como um cemitério de automóveis enferrujados” (Calvino 1990 p.23).


Calvino nos diz ainda que, ao se deter em Cavalcanti, fica claro que a leveza está associada à precisão e a determinação, nunca ao que é vago e aleatório. (Calvino 1990 p28).

O próprio Cavalcanti, em seus poemas, nos dá três acepções distintas que exemplificam a leveza:
· “Um despojamento da linguagem por meio do qual os significados são canalizados por um tecido verbal quase imponderável, até assumirem essa mesma rarefeita consistência”.
· “A narração de um raciocínio ou de um processo psicológico no qual interferem elementos sutis e imperceptíveis, ou qualquer descrição que comporte um alto grau de abstração”.
· “Uma imagem figurativa da leveza que assuma um valor emblemático”.


De Guido Cavalcanti, Calvino nos leva à Renascença Shakespeariana com sua filosofia oculta, rica em imagens que simbolizam as forças naturais e sutis da natureza.


Seguindo adiante, nos deparamos com a célebre imagem de D. Quixote, de Cervantes, cravando a lança de um moinho de vento.


Calvino cita também Cyrano de Bergerac, que nos mostra “como faltou muito pouco para que o homem não fosse homem, nem a vida a vida e nem o mundo um mundo” (Calvino 1990 p.32).


Depois de conhecermos um pouco as aventuras do Barão de Munchhausen e de seu desafio às leis da gravidade, seguimos para o final, ilustrado com um conto de Franz Kafka “O Cavaleiro da Cuba”.
Com essa imagem, Calvino nos afirma que “iremos ao encontro do próximo milênio sem esperar encontrar nele dada além daquilo que seremos capazes de levar-lhe. A leveza, por exemplo, cujas virtudes esta conferência procurou ilustrar” Calvino 1990 p44).

http://artehonors.blogspot.com.br/2012/04/leveza-seis-propostas-para-o-proximo.html

Nereida



Nereida

Nereida

As Nereidas eram as cinquenta filhas (ou cem, segundo outros relatos) de Nereu e de Dóris. Nereu compartilhava com elas as águas do Mar Egeu.

Nereu, um deus marinho mais antigo que Neptuno, era filho de Pontos, era descrito como um velho pacato, justo, benévolo e sábio que representava a calma e serenidade do mar. Já Dóris era filha de Oceano e de Tétis, sendo uma das três mil Oceânides. As Nereidas eram veneradas como ninfas do mar, gentis e generosas, sempre prontas a ajudar os marinheiros em perigo. Por sua beleza, as Nereidas também costumavam dominar os corações dos homens.

São representadas com longos cabelos, entrelaçados com pérolas. Caminham sobre golfinhos ou cavalos- marinho. Trazem à mão ora um tridente, ora uma coroa, ora um galho de coral. Algumas vezes representam-nas metade mulheres, metade peixes.


Segundo Hesíodo, Ponto sozinho deu origem a Nereu. Nas versões mais tardias, ele teve que se unir a Gaia para gerar o filho.

As nereidas eram divindades muito antigas que personificavam as ondas, viviam no fundo do mar e passavam seu tempo em tronos de ouro, cantando, tecendo e fiando. Elas eram capazes de mudar sua forma.

As nereidas mais importantes nos mitos são Anfitrite, que se tornou esposa de Poseidon, Galateia, Orítia e Tétis , mãe de Aquiles Coletivamente, as nereidas participam da lenda de Andrômeda.


O único relato onde elas prejudicam os mortais consta do mito de Andrômeda. Segundo o mito, elas exigiram o sacrifício de Andrômeda como punição pelo fato de Cassiopeia, mãe da jovem, ter alegado ser mais bela que as Nereidas.



Certa vez a rainha Cassiopeia do Reino da Etiópia, uma mulher excessivamente presunçosa, ousou se vangloriar que sua filha Andrômeda era mais bonita do que as filhas do deus Nereu. As Nereidas sentiram-se ofendidas pela arrogância da rainha e pediram a Poseidon que punisse a rainha e seu reino. Em resposta ao apelo das Nereidas, Poseidon enviou um monstro marinho chamado Cethus para atacar o reino da Etiópia.

Desesperado o Rei Cepheus consultou o oráculo para saber o que poderia fazer para livrar-se do monstro. O oráculo predisse que ele deveria oferecer sua belíssima filha em sacrifício ao monstro do mar e assim a princesa Andrômeda foi acorrentada em um rochedo na costa do Mediterrâneo.

Esperando que fosse devorada pelo monstro, Andrômeda gritou por socorro. Ouvindo seus gritos, o herói Perseu que retornava de sua jornada em busca da Medusa foi socorrê-la. Quem olhasse os olhos da Medusa era transformado em pedra. Lutando contra o monstro Perseu mostrou os olhos da Gorgona e transformou o monstro Cethus em corais, os adornos preferidos das Nereidas para os seus cabelos.


Imagem:

Andrômeda acorrentada ao rochedo numa pintura de Gustave Dorè


Andromeda OST 1869
Estilo Romântico
Dimensões: 256.5 x 172.7 cm
Acervo Particular

http://artehonors.blogspot.com.br/2012/02/nereida.html


Medusa

A origem serpentínea de Athena aparece ocultada na lenda da Medusa que foi transformada pelo patriarcado na terrível górgone cujo olhar petrificava os homens.Na realidade Medusa era neta de Gaia, seu nome significava Senhora ou Rainha, sendo a deusa serpente das Amazonas da Líbia, uma das três irmãs górgones cujo cabelo encaracolado era semelhante a uma coroa de serpentes. Elas protegiam os mistérios matrifocais antigos e os limites dos lugares sagrados. Em uma inscrição antiga Medusa era chamada “Mãe dos Deuses, passado, presente, futuro, tudo o que foi, é e será” (frase posteriormente copiada pelos cristãos para definir Deus). Sua sabedoria era resumida nesta frase: “nenhum mortal foi capaz de levantar o véu que Me oculta”, por Ela ser a própria morte, sendo o aspecto destruidor da deusa tríplice. Outro significado da sua face oculta e perigosa era o tabu menstrual, pois os povos antigos temiam o poder mágico do sangue menstrual, que podia criar e destruir a vida. A serpente é um antigo símbolo da sabedoria feminina e também representa o poder da energia Kundalini, a capacidade de transmutação e regeneração.
Originariamente a cabeça da górgone era encontrada na entrada dos templos como um escudo de proteção, a górgone arcaica representando uma trindade lunar formada por sabedoria, força e proteção. A lenda conta que o sangue de Medusa - que tanto servia para curar como para matar - foi colhido dos seus dois lados (esquerdo e direito) colocado em duas ânforas e dado a Asclépio e à sua filha Hygéia, deuses da cura. A imagem das duas serpentes entrelaçadas existente no caduceu (o bastão das divindades de cura) simboliza o conceito de vida e morte, a polaridade masculino/ feminino, esquerda/ direita, a representação da hélice dupla do DNA. Os antigos símbolos da deusa serpente minoana sobreviveram na ordem patriarcal apenas no seu aspecto escuro e ameaçador (principalmente para os homens, que ficavam paralisados pelo poder do olhar da Medusa).
Um mito antigo atribui à Medusa o nascimento de Pégaso, o cavalo alado, como fruto da sua união com Poseidon, ambos metamorfoseados em eqüinos (cavalo e égua). Outro mito mais recente descreve sua criação do sangue jorrando do pescoço de Medusa quando a sua cabeça foi cortada pela espada brilhante de Perseu. A vitória de Perseu é vista como uma ode à vitória da luz sobre os terrores da escuridão e das serpentes, reforçando assim a dicotomia entre luz e sombra, masculino e feminino, Sol e Lua.



fonte do texto:http://sagrado-feminino.blogspot.com/2009/10/athena-e-medusa-dois-nomes-mesma-deusa.html



Medusa, junto com suas irmãs, Stheno e Euryale eram filhas dos Titãs do mar, Porcys e Ceto. A Medusa Algol era a mais jovem, mais bonita e também a única mortal entre as três. Diziam terem sido extremamente sábias; todas elas serviram como sacerdotisas para Athena, a deusa virgem da sabedoria. Porém Poseidon, o deus do mar, teria seduzido Medusa no templo de Athena e elas teriam se tornado vingativas e rancorosas a respeito dos homens.

Athena transformou Medusa e suas irmãs em bestas horrorosas, com pele escamosa, asas e um cabelo formado por serpentes enroladas. Medusa era a única mortal. Todos aqueles que miravam em seus olhos, se tornavam petrificados. Medusa vivia em uma caverna e foi decapitada por Perseu.

Crisaor e Pegasus eram filhos da Medusa e nasceram quando a Medusa foi decapitada. Crisaor tem este nome porque já nasceu com uma espada de ouro. Unindo-se a Calírroe, nasceu o filho Gerião com três cabeças, que foi morto por Héracles. Também foi o pai de Equidna, o terrível monstro que era metade mulher, metade serpente. Pegasus era um cavalo alado que acompanhou Perseu e Belorofonte nas suas aventuras.

Imagem:

Caravaggio OST
Data 1597 d.C.
Dimensões 60 × 55
Galleria degli Uffizi, Florença

http://artehonors.blogspot.com.br/2011/11/medusa.html

Fênix


Fênix


Basta pensarmos na pomba, na fênix, na águia, no falcão, etc.. É um dos símbolos mais poderosos da liberdade e da expansão da consciência. Dado que designa um ser que voa, é um símbolo utilizado para exprimir, de forma privilegiada, a relação entre o céu e a terra, entre o espírito e a matéria, entre o plano horizontal e o plano vertical.


Em grego, por exemplo, a palavra ave é sinónimo de presságio e de mensagem do céu. As aves simbolizam, pois, os estados superiores dos seres, daqueles seres que se libertaram do peso terrestre, e que assim ascenderam ao transcendente. Neste contexto, importa realçar a importância fundamental do voo, enquanto imagem da ânsia de ascensão, de verticalidade e de transcendência.


No Alcorão, o conhecimento espiritual, a verdadeira Sabedoria são designados por “língua das aves”. Na tradição hindu, a ave era um símbolo da amizade entre os deuses e os homens e, no Egipto antigo, representava a alma do defunto.


A pomba é, entre os cristãos, um dos símbolos da pureza, da paz, e a representação inequívoca do Espírito Santo. Recordemos que, no início do Génesis, o espírito de Deus se movia, como uma ave, sobre a superfície das águas primordiais.


A mais antiga demonstração da crença em almas-aves está, sem dúvida, contida no mito da Fénix. Designada como a ave de fogo, cor de púrpura (isto é, composta de força vital, solar), representava a alma para os egípcios. Segundo a lenda, após ter vivido muitos anos, a Fénix teve a coragem de se incinerar numa fogueira, regressando à vida mais bela e mais pura.


Os aspectos do seu simbolismo surgem aqui claramente: para que possa haver uma renovação da vida, é necessário que morram os aspectos mais negativos da psique humana. O homem novo só pode surgir quando tiver, em cada um de nós, morrido o homem velho.


Também a águia está presente em inúmeras tradições, simbolizando a realeza de Deus. É a rainha das aves, encarnação, substituto ou mensageira da mais alta divindade uraniana, e do fogo celeste, o sol, que só ela ousa fixar sem queimar os olhos. O ceptro de Zeus, pai dos deuses da antiga Grécia, era encimado por uma águia. Identificada com Cristo, esta ave exprime também a sua ascensão e realeza deste.


Na tradição iraniana, por exemplo, o falcão, ou a águia, simbolizavam o poder divino. Quando um rei lendário do Irão proferiu uma mentira, o poder divino abandonou-o sob a forma de um falcão. Nesse preciso momento, o rei viu-se despojado de todos os seus atributos, tendo sido, mais tarde, vencido pelos seus inimigos. E assim perdeu o trono.




Fonte: http://sonharsimbolos.wordpress.com/2007/10/26/a-ave/




Imagem: Phoenix , the bird of life - Igor Paley 2014

AST

Dimensões: 110 X 70 cm

http://artehonors.blogspot.com.br/2011/10/fenix.html

Athena


Athena


Na arte clássica grega existem duas diferentes apresentações de Athena. A imagem mais familiar é a da deusa severa, paramentada com armadura, elmo e escudo, a virgem invicta e guardiã de Atenas, que protege as batalhas e os heróis. Já a mais antiga a mostra como uma deusa majestosa, com o manto e os cabelos decorados com serpentes e um fuso na mão esquerda. No entanto, mesmo a figura guerreira guarda as memórias arcaicas da sua verdadeira origem, que aparecem na cabeça da górgone com cabelos de serpentes, existente no seu escudo chamado Gorgoneion. Esta é a revelação da descendência de Athena, herdeira da deusa minoana das serpentes, cultuada um milênio antes do mito patriarcal transformá-la na filha nascida da cabeça do seu pai Zeus, surgindo totalmente armada e pronta para a batalha
Os mitos mais recentes descrevem a górgone como um monstro atemorizador, vencido e morto pelo herói Perseu, que após decapitá-la, entregou à deusa Athena sua cabeça como gratidão pela ajuda recebida.

Analisando detalhes do seu nascimento descobrimos que a mãe de Athena era a deusa Metis, uma das esposas de Zeus, que a engoliu, temendo que o filho que ela carregava no ventre pudesse destroná-lo, assim como ele tinha feito com o seu progenitor Chronos. Sofrendo de atrozes dores de cabeça Zeus pediu ajuda ao deus ferreiro Hefaisto, que lhe abriu a cabeça com seu machado e dela emergiu Athena, defensora da ordem patriarcal e não sua opositora. É evidente a metáfora que descreve o predomínio do direito paterno e patriarcal sobre a antiga ordem da sociedade matrilinear e matrifocal.Vemos nisso uma semelhança com o nascimento de Eva da costela de Adão, o primogênito; tanto Eva quanto Athena sendo associadas a serpentes.

Em grego, Athena pode ser compreendida como A Thea, a Deusa, que também deu origem ao nome da cidade por Ela patrocinada. Seu segundo nome, Pallas, significa “virgem”, pois em nenhum mito é feita qualquer referência à sua condição de mãe, sendo sempre conselheira, protetora e amiga de heróis e reis.

Uma antiga imagem minoana do período neolítico a retrata como uma deusa alada e com cabeça de pássaro. A transformação de Athena, de uma deusa pássaro e serpente em uma deusa guerreira que negou a sua filiação materna, ocorreu ao longo dos dois milênios de influências indo-européias e orientais na Grécia. O nome da sua mãe – Metis – permaneceu no seu atributo “sabedoria” ou “aconselhamento prático”. A origem serpentínea de Athena aparece ocultada na lenda da Medusa que foi transformada pelo patriarcado na terrível górgone cujo olhar petrificava os homens.
Na realidade Medusa era neta de Gaia, seu nome significava Senhora ou Rainha, sendo a deusa serpente das Amazonas da Líbia, uma das três irmãs górgones cujo cabelo encaracolado era semelhante a uma coroa de serpentes. Elas protegiam os mistérios matrifocais antigos e os limites dos lugares sagrados. Em uma inscrição antiga Medusa era chamada “Mãe dos Deuses, passado, presente, futuro, tudo o que foi, é e será” (frase posteriormente copiada pelos cristãos para definir Deus). Sua sabedoria era resumida nesta frase: “nenhum mortal foi capaz de levantar o véu que Me oculta”, por Ela ser a própria morte, sendo o aspecto destruidor da deusa tríplice. Outro significado da sua face oculta e perigosa era o tabu menstrual, pois os povos antigos temiam o poder mágico do sangue menstrual, que podia criar e destruir a vida. A serpente é um antigo símbolo da sabedoria feminina e também representa o poder da energia Kundalini, a capacidade de transmutação e regeneração.
Originariamente a cabeça da górgone era encontrada na entrada dos templos como um escudo de proteção, a górgone arcaica representando uma trindade lunar formada por sabedoria, força e proteção. A lenda conta que o sangue de Medusa - que tanto servia para curar como para matar - foi colhido dos seus dois lados (esquerdo e direito) colocado em duas ânforas e dado a Asclépio e à sua filha Hygéia, deuses da cura. A imagem das duas serpentes entrelaçadas existente no caduceu (o bastão das divindades de cura) simboliza o conceito de vida e morte, a polaridade masculino/ feminino, esquerda/ direita, a representação da hélice dupla do DNA. Os antigos símbolos da deusa serpente minoana sobreviveram na ordem patriarcal apenas no seu aspecto escuro e ameaçador (principalmente para os homens, que ficavam paralisados pelo poder do olhar da Medusa).
Um mito antigo atribui à Medusa o nascimento de Pégaso, o cavalo alado, como fruto da sua união com Poseidon, ambos metamorfoseados em eqüinos (cavalo e égua). Outro mito mais recente descreve sua criação do sangue jorrando do pescoço de Medusa quando a sua cabeça foi cortada pela espada brilhante de Perseu. A vitória de Perseu é vista como uma ode à vitória da luz sobre os terrores da escuridão e das serpentes, reforçando assim a dicotomia entre luz e sombra, masculino e feminino, Sol e Lua.








fonte do texto:http://sagrado-feminino.blogspot.com/2009/10/athena-e-medusa-dois-nomes-mesma-deusa.html


Imagem:

Minerva ou Pallas Athena OST

Gustav Klimt 1898

Art Nouveau

Dimensões: 75 x 75 cm

Vienna Museum, Vienna, Austria

http://artehonors.blogspot.com.br/2011/10/athena.html

Core Persefone


Core Perséfone


No Olimpo ( lugar onde moravam os deuses ) Deméter se casa com Zeus e geram Core (a jovem). Um dia Core estava brincando em Elêusis (lugar onde mora os mortais) e vê uma flor de narciso no qual ela fica encantada e acaba cheirando esta flor. Ao cheirar esta flor Core fica tonta (NARKÉ=Narcótico) então a terra se abre e Plutão vem numa carruagem para raptar Core e leva-la para o Hades ( mundo dos mortos), pois Plutão se apaixonou por Core.

Deméter sente a falta de sua filha e fica louca a sua procura. Com isto Deméter (Mãe Terra) sai do Olimpo e vai em busca de sua filha pelo o mundo inteiro. Durante nove dias e nove noites a deusa fica a procurar sua filha sem nenhuma pista. Enquanto Deméter está a procura de sua filha a terra fica sem vegetação e sem fertilidade.



Deméter diz que só volta ao Olimpo quando encontrar sua filha e pede a Zeus. Este manda Hermes, o deus do caduceu de ouro, ir para Hades e convencer Plutão de devolver a filha de Deméter. Então Hermes convencer ao irmão de Zeus à devolver Perséfone, mas este dá uma romã para ela comer. Deméter vai ao encontro de Core e ao abraça-la Deméter sente sua filha diferente e pergunta se ela comeu algo em Hades. Core diz que comeu uma romã e por causa disso ela terá que passar um terço do ano em Hades . Com isto Core se transforma em Perséfone que é esposa de Plutão. Antes de voltar ao Olimpo Deméter ensina os seus rituais para Célio e seu filho Triptólemo . Ao voltar ao Olimpo a terra volta a ter vegetação e a ser fértil.



Imagem:

Dante Gabriem Rossetti 1874
OST
Dimensões: 125,1 X 61 cm
Tate Britain Londres

Kóre, em grego, quer dizer jovem, donzela, o contrário de “Kóros”, jovem, rapaz. Às vezes, a palavra é usada com o sentido de “thygater”, filha. No mito, nasceu ela da união de Zeus, o Senhor do Olimpo, com Deméter, a deusa da terra produtiva. Um dos símbolos de Kóre era a semente, a própria imagem da alternância entre vida e morte, lembrando tanto vida subterrânea como vida manifestada. Raptada por seu tio, Hades-Plutão, levada para o Inferno, transforma-se em Perséfone, uma dualidade que nos coloca diante de dois arquétipos, o da jovem virgem e o da rainha do mundo infernal.



De um modo geral, Kóre é o arquétipo da jovem inconsciente quanto à sua personalidade visível nos seus relacionamentos com o mundo. Possuídas por esse modelo, muitas jovens costumam erotizar bastante a sua aparência, o seu comportamento, a sua maneira de ser, colocando as pessoas à sua volta num estado de excitação e até de paixão amorosa muitas vezes incontrolável. O arquétipo de Kóre nos remete a uma das proposições mais importantes do tema da sedução: é mais pelo seduzido que pelo sedutor que a sedução se realiza.


Realmente, apesar da sua imagem de “atacante”, o sedutor atua sempre nesse processo sob pressão. Ele é, digamos, constrangido a atacar. Seu ataque é comandado por aquele (a) que será a sua vítima. Todo sedutor é, assim, “forçado” a seduzir pela sua “vítima”. O que temos aqui é algo semelhante ao contrato masoquista, um contrato comandado pela vítima. Ao longo da história do homem, esta maneira de ver poderá ser facilmente constatada, sendo inúmeros os casos em que o sedutor não passa de uma marionete do seduzido. Bastante indecisa, às vezes falsamente ingênua, a jovem virgem Kóre, como uma flor, oferecendo os seus encantos aos que passam, “nunca sabe bem o quer”, mas espera que algo lhe aconteça, que alguém a “colha” e que sua vida então mude.

A flor, como sabemos, se desenvolve entre a terra e água, princípios passivos. Suas pétalas, seu cálice, tudo nela é receptáculo da luz, da chuva, do orvalho, dos ventos, e, como tal, é dependente da atividade celeste. As flores, além de presentes em todas as etapas da vida (nascimentos, aniversários, celebrações, casamentos, mortes), sempre tiveram um papel importante no jogo da sedução, na literatura galante. Para os antigos gregos, a proximidade ou a inalação do perfume de certas flores eram perigosas, narcisos, asfódelos, jasmins, jacintos, camélias etc., todas presentes na mitologia grega, dela fazendo parte, às vezes, como importantes personagens. As flores brancas, particularmente aquelas que são muito perfumadas, segundo a tradição mediterrânea, podem atrair a alma de pessoas mortas.

O narciso, na mitologia, coroava a cabeça de várias divindades, das Erínias, das Moiras e, muitas vezes, do próprio Hades, sendo neste caso um símbolo do entorpecimento da morte como um sono profundo. Como já se disse, narcisos, pelo seu perfume perturbador e soporífero, são ideais para a confecção de filtros mágicos. Diz a tradição que uma mulher que receba de um homem um buquê de narcisos ficará presa a ele, não o tirará mais da sua cabeça.


O mito nos revela que Kóre foi raptada quando, num prado da Sicília, junto com algumas jovens amigas, colhia flores.O mito nos revela mais que Kóre, ao contrário delas, se sentiu particularmente atraída por uma região mais seca do terreno, onde só havia um tipo de flor, de pétalas brancas, com uma pequena coroa amarela no centro. Essa flor, conforme se comprovou posteriormente, foi criada especialmente pela Grande-Mãe Géia para auxiliar Hades-Plutão a raptar a jovem. Extremamente odorífica, dessa flor, chamada tecnicamente de “Narcissus Poeticus”, às vezes confundida com o “Narcissus Serotinus”, os homens aprenderam a extrair um óleo, muito usado na fabricação de perfumes. Atualmente, ele entra na composição de dois deles, muito famosos, “Fatale” e “Samsara”. O perfume do óleo do narciso lembra uma mistura de duas flores, do jacinto e do jasmim. De todas as espécies de narcisos, o Poético é o mais perigoso. Pessoas que dormem ou que permanecem por algumas horas numa sala fechada onde eles estejam correm o risco de sentir enjôos, náuseas, vômitos, fortes dores de cabeça.


O complexo de Kóre vem sendo atualizado pela literatura, pelo cinema e, sobretudo, pelos meios de comunicação de massa (publicidade) através de vários estereóptipos como “lolitas” e “ninfetas”, adolescentes que procuram sempre despertar o desejo sexual, modelos de comportamento muito ativos hoje tanto na área heterossexual como homossexual. Lembro que os norte-americanos, desde os tempos do cinema mudo, puseram em circulação o termo “waif” (gamine, em francês) para designar esse modelo, uma mistura de sexo e inocência, caracterizado por mulheres de aparência infantil, que simulam fragilidade, que parecem “pedir” proteção, mas ocultando por trás de sua personalidade, sutilmente erotizada, muita malícia, nocividade e perniciosidade como sedutoras (Audrey Hepburn é o exemplo clássico). Eram perigosas, sexualmente estimulantes. O grande arquétipo desse modelo é, sem dúvida, Kóre, “raptada” por Hades, o deus dos Infernos, com o consentimento de Zeus, o próprio pai, quando colhia flores.


É preciso ressaltar, porém, que, se esse rapto foi um “trágico” acontecimento para Deméter, não o foi, como se disse acima, para a Grande-Mãe Géia, que o viu como natural, como “algo” que faz parte da própria vida. Ela colaborou, como “sábia anciã”, para que o rapto se consumasse, não só permitindo que o cenário fosse montado adequadamente (os atraentes narcisos) e também se “abrindo” para que Hades pudesse subir à sua superfície para atacar a jovem e voltasse ao seu reino subterrâneo. Do ponto de vista de Géia, tanto a sedução como a morte não têm nada de trágico, são acontecimentos que fazem parte do devenir da própria existência.


O poema homérico nos diz sobre esta passagem: “Até o narciso com a terra/ como um engodo cresce para esta menina/ como um favor para Aquele Que Recebe Tantos/ e Zeus, permitindo-o (seu brilho era maravilhoso)... ela estendeu ambas as mãos e surgiu “Aquele Que Recebe Tantos”. Esta expressão “Aquele Que Recebe Tantos” era usada pelos poetas para se referir a Hades, “o de inumeráveis hóspedes” (as almas dos mortos) e dono de riquezas inexauríveis nas entranhas da terra.
Narciso vem de “narko”, sono, “narkê”, torpor. A flor, entre os gregos, era vista como narcoléptica (narkê, torpor, e lepsis, ataque), sugerindo, por seu perfume, idéias de sono, morte e diminuição do nível da consciência. Em razão de sua forma, que lembra o lírio, o narciso aparece ligado à corrupção da virgindade, da pureza. O narciso era também flor muita usada em ritos funerários, ornando os cadáveres levados para inumação, nos cemitérios.
A “perdição” de Kóre, como tudo indica, foi apoiada pela Grande-Mãe, que se tornou assim cúmplice de Hades, pois para ela o mundo subterrâneo (o subconsciente, se quisermos) também fazia parte da natureza (vida consciente). A história de Perséfone nos permite perceber todo o dualismo de seu mito, ou seja, o de se ver o mundo inferior como o mundo das almas e o mundo superior como o da luz, da vida física. Ou seja, para que a vegetação possa crescer na superfície da terra, era preciso uma descida ao mundo ctônico. O “invisível” dando origem ao “visível”. Tomar consciência será assim ter percepção do “invisível”, do mundo inferior.
A jovem Kóre, enquanto vivia exclusivamente presa à mãe, não tinha nenhuma consciência de si mesma, da sua beleza, não conhcia os seus motivos subjetivamente, apenas existia simbioticamente. Fazia-se sedutora para ser colhida, uma flor. Não percebia o quanto atraía sexualmente. Vivia para oferecer ao mundo a sua imagem mais desejável; por isso, mudando constantemente, adaptando-se como um caleidoscópio.


A palavra Kóre em grego era usada também para designar a pupila (menina) do olho que, a rigor, é um vazio, isto é, um orifício situado no centro da íris que, ao se contrair ou dilatar, permite regular a quantidade de luz que penetra no olho. Daí, os outros sentidos que a palavra pupila toma, sentidos úteis para apreendermos tudo o que arquetipicamente a jovem filha de Deméter pode significar. Pupila é aquela que um educador, um mestre, deve educar, aquela que deve ser tutelada por alguém; é uma protegida, uma educanda, uma noviça. Os gregos davam às bonecas também o nome de “kóre”, um simulacro do corpo feminino.
Invariavelmente, todos os que se voltaram para o tema de que tratamos falam da filha de Deméter como vítima, a que foi abduzida. O sedutor, no caso, é o deus soturno de um reino para o qual ninguém desejava ir, deuses ou mortais, dono de uma força viril ativa irresistível diante da qual o feminino (passivo) não tinha outra alternativa senão a de se render, se entregar, abandonar-se. A sedução, nessa perspectiva, é sempre apresentada como um jogo a dois, no qual um (o mais forte) ganha e o outro perde, presente a dialética do dominador e do dominado.


Apesar de toda a diversidade dos personagens que costumam tomar parte neste jogo, não podemos admitir que a sedução (seducere, etimologicamente, desviar do reto caminho, tirar de lado) seja simplesmente um querer fazer mal consciente, um constrangimento imperativo irrecusável por parte de quem o pratica. Neste jogo, muitas vezes, o que parece ser o vencedor, como dissemos, aquele que aparentemente se beneficia do ataque, nem sempre é quem dá início ao jogo ou aquele que se delicia mais. É claro que sob um ponto de vista teológico, etimológico ou jurídico os sedutores serão sempre o Diabo ou um grande libertino, grandes pecadores, criminosos etc. No Direito Penal brasileiro, por exemplo, sedução é o crime de se manter conjunção carnal com mulher virgem entre 14 e 18 anos, com aproveitamento de sua inexperiência e/ou justificável confiança. O aparecimento do sedutor (oportunidade, circunstâncias etc.) é determinado em grande parte pela parte seduzida. Na vida religiosa, este princípio pode ser assim expresso: todo místico acaba sempre encontrando o seu deus. Na vida libertina, é o caso do Don Juan descrito por Kierkgaard, seduzido pelas mulheres das quais ele já havia se tornado cativo.


Essa questão de se considerar a sedução simplesmente como um desvio maléfico deve ser revisada, admitir outra leitura, que não fique restrita ao ponto de vista dos jogadores. A sedução é, efetivamente, um desvio maléfico, em muitos casos, mas noutros (em grande parte, talvez) não o seja. Refiro-me, sob o ponto de vista factual apenas, às delícias da sedução, efêmeras ou duráveis, mas sempre delícias. Dentre todos os exemplos para reforçar o que aqui se afirma podemos ficar com os casos mais “difíceis”, o da sedução das “mulheres austeras” ou “as aquecidas pelo Divino”, as “loucas de Deus”, as que formam aquele grande contingente das esposas místicas em todas as religiões. Choderlos de Laclos tratou delas e a Igreja católica transformou muitas mulheres raptadas como Kóre em santas.
No tocante às religiões (refiro-me aqui de modo especial ao Cristianismo), é oportuno lembrar que, quando seduzidas pelo divino, as mulheres, absolutamente, segundo a ortodoxia dominante, não se desviaram de nada, nem de si mesmas, foram promovidas, colocadas numa categoria especial, foram santificadas, tornando-se dignas de veneração e respeito. Gozaram, simplesmente, por ele possuídas, pelo divino. Quando se trata de homens então, os casos parecem ser bem mais interessantes, pois nos põem mais profundamente diante da chamada feminilidade da alma mística, a “alma-esposa”. São João da Cruz entendia disto muito bem, referindo-se a si mesmo no feminino. Estes seduzidos, homens ou mulheres, são sempre extremamente sedutores. É extensíssima, como sabemos, em todas religiões a galeria dos seduzidos pelo divino, mulheres e homens.
Todos os fenômenos religiosos que nos falam de penetração pelo divino, do toque do divino, conversões, religiões reveladas, de mistério, participações rituais, transes oraculares, profecias etc., têm inegavelmente uma forte conotação sexual. Para receber o divino devemos nos tornar femininos, esvaziarmo-nos, como no caso do “ekhstasis” dos Pequenos Mistérios em Eleusis. Platão, por exemplo, associa o conceito de possessão pelo divino (enthousiasmòs) a um estado não-racional, feminino.


O que temos na realidade, em muitos casos, quanto ao feminino, é que as seduzidas são grandes sedutoras. A mulher seduzida, como o sedutor, também “atira” as suas flechas. Elas, “ao cair”, levam junto o sedutor, o derrubam. Kóre vinha há muito, em que pesem os seus poucos anos de vida, pedindo para ser colhida. Quanto a Plutão-Hades, as consequências de seu ato, como tudo indica, ele as suportará até o final dos tempos, administrando o seu reino em companhia de Perséfone, que assumiu o papel de esposa amantíssima e obediente.
Os estudiosos do mito, de todos os tempos, nunca abordaram o “day after” do rapto de Kóre, sob o ponto de vista de Plutão-Hades. Atendo-nos ao mito, Plutão nunca mais raptou alguém. Aliás, mostrou-se sempre muito consciente dos seus poderes e deveres familiares. Lembremos do modo como agiu (marido exemplar) quando dois fanfarrões, Teseu e Piritoo, invadiram o seu reino com a pretensão de raptar Perséfone. Agiu prontamente, prendendo-os e os mandando para o Tártaro, lugar sem volta. Teseu lá ficaria para todo o sempre se não fosse Hércules...


O que podemos concluir desse episódio, ligando-o a outros dados “biográficos” de Plutão-Hades, é que ele precisava apenas de uma “esposa oficial”, de alguém para assumir o lugar de “primeira dama” no seu reino. Nunca foi um sedutor como seu irmão Zeus, este sim um grande semeador de filhos, os chamados espúrios, alguém que não admitia negativas diante do seu furor erótico.


Sob um outro ponto de vista, psicológico, se quisermos, a ação de Plutão-Hades (função de todo “raptor”) não teve outra finalidade senão a de fazer Kóre tomar consciência do seu corpo como polaridade geradora. Aliás, aquilo que aconteceu a Kóre vem sendo atualizado simbolicamente por várias histórias, como, por exemplo, a do Chapeuzinho Vermelho, na qual Hades, Deméter e Kóre são, respectivamente, o lobo, a avó e a heroina. O rapto de Kóre é, neste sentido, uma “descida” que toda mulher deve fazer não só ao interior do seu corpo, e, dessa experiência, chegar a novas formas de autoconhecimento para buscar outras possibilidades de crescimento.


O aspecto sublime do drama Deméter-Kóre está representado, sem dúvida, pelos Mistérios de Eleusis, doação de Demeter à humanidade, como um grande processo transformador no sentido de uma espiritualização progressiva da vida material, tanto no nível pessoal como coletivo. Não é por oura razão que a divindade condutora dos “mystai” para Eleusis era Dioniso, o deus das metamorfoses, a divindade que num primeiro momento lembrava a regressão, a supressão das interdições, o mergulho na indiferenciação, para, num segundo momento, significar o renascimento sob uma outra forma. Não nos esqueçamos que a terceira fase dos Pequenos Mistérios, a do “enthousiasmòs” (literalmemente, deus em nós) se realizava quando Dioniso “possuía” o iniciado. A forte conotação sexual dessa penetração divina é evidente. Todo iniciado que participasse dos Mistérios de Eleusis assumia naturalmente a condição de “Kóre”, isto é, tornava-se feminino, sendo invadido pelo deus.


Psicanaliticamente, os Mistérios de Eleusis podem ser vistos como uma proposta de descida à vida subconsciente a fim de serem libertadas as potencialidades lá aprisionadas. É neste sentido que Perséfone seria um símbolo do recalque. É no simbolismo da semente que desce ao interior da terra que devemos procurar a busca de certas faculdades espirituais (a busca do tesouro interior) que levam o ser humano ao autoconhecimento. O guia das procissões noturnas que no outono saíam de Atenas em direção de Eleuisis pelo Cerâmico era Dioniso, que, como esclarecia Heráclito, era Plutão-Hades, sob um outro aspecto. Esta identificação se tornará mais clara se acrescentarmos que a mãe de Dioniso era Sêmele, nome que lembra semente, uma personificação da terra, como Deméter, fecundada por Zeus na forma de chuva primaveril.


O retorno de Kóre, por outro lado, à mãe não é mais que a ilustração de um dos subciclos do movimento cíclico das estações. Não é por acaso que no dia 22 de setembro (começo do outono), quando se realizava a “epopteia”, a contemplação, a consumação dos Grandes Mistérios, Perséfone tinha nessa cerimônia um papel muito importante. Ela, como a venerável Brimo, apresentava à multidão de iniciados Brimos, o menino sagrado, o “puer aeternus”, símbolo da energia universal que não morre nunca, que a cada ano retorna.


Os Mistérios de Eleusis falavam de uma solidariedade entre a mística agrícola e a sacralidade da atividade sexual. Brimos era gerado pela grande deusa na escuridão do Telesterion e trazido diante da multidão como símbolo do “mystes”, o iniciado renascido. Brimos, em Eleusis, era um epíteto do deus Dioniso, a criança sagrada, nascida de Perséfone. É dentro do cenário eleusino que o culto de Dioniso significa uma proposta de mudança, de transformação, de espiritualização se quisermos, na medida em que ele nos fala de morte e renascimento.


A palavra Brimo, de origem trácia provavelmente, sempre teve o sentido de algo terrível, algo que se presenciava com horror. Traduzia ela também uma idéia de inexorabilidade, aparecendo sempre ligada ao mundo infernal, sendo, por isso, muito aplicada a deusas que tinham relações com esse mundo. O nome era usado às vezes como um qualificativo para designar o que deusas como Perséfone, Hécate ou as Erínias provocavam, um misto de temor, de horror. A palavra era também aplicada a Deméter, em Eleusis.


A figura de Perséfone tem, no mito, um caráter ambíguo. Afora os seus “deveres oficiais” nos Mistérios de Eleusis e ao lado do marido, sua história é discreta, não é muito rica de acontecimentos. Perséfone aparece nos trabalhos de Hércules (décimo trabalho), no mito de Teseu (já mencionado), no Orfismo e numa disputa que teve com Afrodite. Quanto ao Orfismo, há apenas a mencionar que quando o famoso cantor trácio desceu ao Hades para resgatar a alma de sua falecida noiva, Eurídice, Perséfone, muito tocada pela grande prova de amor por ele demonstrada, interveio decisivamente, com sucesso, no sentido de obter de seu esposo autorização para a libertação da alma da desditosa jovem.


No que diz respeito à sua disputa com Afrodite, o caso teve relação com Adônis, divindade oriental da vegetação. Esta história é, evidentemente, uma transposição, com certas adaptações, de uma representação mítica babilônica do ciclo da vida vegetal, sendo personagens a deusa Ishtar e Tammuz, seu filho e amante, divindade da vegetação, que periodicamente morre e renasce.


Na Grécia, o mito de Adônis nos conta que uma princesa, filha do rei Téias, da Síria, desejando competir em beleza com Afrodite, foi punida pela deusa, que a fez desenvolver uma paixão incestuosa pelo próprio pai. Engravidada pelo pai, sem que este o soubesse, foi condenada à morte quando se descobriu tudo. A jovem, colocando-se sob a proteção dos deuses, foi entretanto transformada numa árvore, a mirra. No momento oportuno, da casca da árvore saiu uma criança lindíssima, que recebeu o nome de Adonis. Encantada, Afrodite recolheu-a e a confiou secretamente a Perséfone. Anos depois, a deusa do amor foi buscá-la, a essa altura um formosíssimo jovem. Perséfone, contudo, se recusou a entregá-lo. A disputa entre as duas deusas acabou sendo arbitrada por Zeus, ficando estabelecido que o jovem passaria um terço do ano com Perséfone, outro terço com Afrodite e o tempo restante como quisesse. Adônis decidiu então passar oito meses do ano com Afrodite, pois o reino de Perséfone, como disse, sempre lhe havia parecido muito triste, escuro.


Assumindo a condição de grande amor de Afrodite, Adônis, segundo uma versão do mito, foi assassinado, durante uma caçada, pelo deus Ares, antigo amante da deusa, na forma de um javali, inconformado por não mais ser admitido no seu divino leito. A pedido da deusa, Zeus transformou então o jovem Adonis na anêmona, uma flor primaveril, que, terminada a estação, fenece e morre.


Toda esta história liga-se obviamente ao ciclo da vida vegetal. A descida de Adonis, a sua catábase ao reino de Perséfone, e sua anábase anual em direção de Afrodite, era solenemente festejada na Ásia Menor, nos famosos ritos dos Jardins de Adonis. Quando o jovem deus descia ao reino de Perséfone, Afrodite vestia luto, recolhia-se. Para perpetuar a memória do seu grande amor, a deusa instituiu na Síria uma festa fúnebre, com soleníssimas procissões.


A anêmona (anemos, em grego, é vento), na qual Adonis foi transformado, é, como sabe, miticamente, um produto das lágrimas de Afrodite e do sangue de Adonis e evoca, como flor, um símbolo do amor submetido às flutuações das paixões e dos caprichos dos ventos. De uma beleza singela, frágil, caracteriza-se a anêmona sobretudo por sua existência efêmera, não resistindo muito as suas pétalas à ação dos ventos e das chuvas. Terminada a primavera, as anêmonas desaparecem dos campos...


Faz parte também do mito de Adonis uma outra flor, a rosa. Segundo nos conta a tradição grega, ao socorrer o seu amor, atacado pelo javali, Afrodite pisou num espinho; dos seus augustos pés, algumas gotas de sangue caíram sobre as pétalas de flores brancas que estavam próximas do corpo do jovem; imediatamente, as flores se tornaram vermelhas, passando elas desde então a simbolizar o amor. Na linguagem das flores, a rosa de pétalas brancas passou a simbolizar o amor que suspira.



O poeta Fernando Pessoa (Ricardo Reis) deixou-nos estes versos sobre os Jardins de Adonis:
As rosas amo dos jardins de Adonis, Essas vólucres amo, Lídia, rosas, Que em o dia em que nascem, Em esse dia morrem. A luz para elas é eterna, porque Nascem nascido já o Sol, e acabam Antes que Apolo deixe O seu curso visível. Assim façamos nossa vida um dia, Inscientes, Lídia, voluntariamente Que há noite antes e após O pouco que duramos.


A rosa, como se sabe, sempre apareceu nos mitos da região mediterrânea e da Ásia Menor, como um símbolo do amor que vence a morte e do renascimento. No Egito, a rosa era muito usada nos Mistérios de Isis como símbolo do silêncio exigido pela iniciação e imagem da morte carnal, tornando-se o país o maior produtor e exportador dessa flor na antiguidade. Presente também nos ritos funerários, a rosa passou ao mundo greco-romano. Lembre-se que em Roma e em muitos lugares da Itália eram celebradas, nos cultos aos mortos, as famosas “Rosalias”, entre 11 e 15 de maio. É de se registrar ainda que os grupos esotéricos que no mundo latino usaram a rosa em seus ritos de iniciação cunharam a expressão “sub rosa” (sob o signo da rosa) para designar o silêncio exigido do iniciado na fase de sua instrução. Um conhecimento transmitido “sub rosa” jamais poderá ser revelado exotericamente.


Todos aqueles, homens ou mulheres, que se voltam profissionalmente ou não, para atividades, estudos ou interesses relacionados com o oculto, vivem, como se sabe, metafisicamente, isto é, ligados a experiências que transcendem as do mundo sensível. Vivem, de um modo geral, numa região que se situa entre o conhecido e o desconhecido.
O arquétipo Perséfone sempre pressupõe um elo com o oculto, interesses que priorizam a atmosfera psíquica ambiental. Há sempre uma busca de tudo que é alternativo, esotérico, não oficial, terapias diferentes, métodos de cura, formas de tratamento não oficilizados, temas ligados à morte, vida no além-túmulo, escatologia, soteriologia, literatura fantástica, mediunidade, fenômenos de paranormalidade, vida onírica etc (a história da psicanálise é uma boa ilustração do que estamos aqui a dizer, se colocamos a sua origem, como deve ser colocada, no culto de Asclépio).


Nos tipos inferiores em que o arquétipo Perséfone se manifesta, a estrutura do ego costuma ser muito frágil, são eles muito suscetíveis às influências “do lado de lá”, “sentem”, “ouvem”, “vêem” coisas, “incorporam”. Lembram muito Apuleio, já mencionado, que esperava encontrar o “segredo das coisas, abandonando-se a todos os demônios da curiosidade até os confins do sacrilégio.”



Nem todos, porém, que são possuidos pelo arquétipo Perséfone e que dele fazem uso profissional de algum modo, observaram algumas condições “sine quae non” ele não passará, na maioria dos casos, de algo secundário, “vivido” imperfeitamente, apenas intelectualmente, economicamente ou mesmo patologicamente. Diz o mito que, a não ser para aqueles que estejam convencidos da reencarnação, o Hades será sempre um lugar eternamente sem saída, um lugar de tormentos infindáveis, nenhuma possibilidade de mudança, de transformação.


Como intepretar esta condição? A melhor maneira de entender isto está na roda, ou seja, considerar o tempo não linearmente, o tempo da vida vegetal (o ciclo das estações), representado pelos seus ciclos e subciclos, pelo devenir contínuo, pela criação permanente, pelo contingente, pelo perecível, pela morte e pelo renascimento. Assim, exemplificando, se numa terapia do psiquismo não se colocar esta questão do tempo cíclico (morte e renascimento, Kóre-Perséfone) dificilmente, acredito, poder-se-á pensar no seu sucesso.


O arquétipo Perséfone nos remete a uma idéia de alguém que foi raptado não só pelo inconsciente pessoal, pelo desconhecido, pelo que está recalcado, mas pelo inconsciente coletivo, pelos poderes arquetípicos universais, pelas grandes potências desse mundo. Além do mais, Perséfone passou por uma ”morte” física. Sua forma anterior foi destruída, ela passou por uma transformação física ao descer ao reino ctônico, cumpriu um rito de passagem radical.
O Hades, é preciso entender, era um lugar de permanência transitória das almas que a ele desciam conduzidas por Hermes, como deus psicopompo, salvo para aqueles cujos “crimes”, cometidos contra a ordem divina, os tornavam merecedores do Tártaro, lugar de onde ninguém voltava. Os que tinham muito a purgar e sofrer ficavam no Érebo, mas acabavam retornando depois de passar pelo rio Lethe. Nos Campos Elíseos permaneciam aqueles que pouco ou nada tinham a purgar, ali aguardando um retorno breve, sem sofrimento algum. Para o Tártaro iam aqueles que pecavam contra o divino, isto é, o Todo, aqueles que não conheciam o seu “metron”...


Na prática, para o homem grego comum, a viagem para o Hades pode ser assim resumida: quando a morte chegava, a família, segundo os costumes tradicionais, se obrigava a realizar escrupulosamente a cerimônia ritual do funeral, segundo um drama em cinco atos. Aquele (alma) que não tivesse passado por essa cerimônia não seria recebido no Hades, não podendo renascer, portanto. Tal cerimônia se compunha de:
a) toalete fúnebre (lavagem do cadáver com óleos perfumados, seu envolvimento com faixas e uma mortalha, o rosto descoberto);
b) exposição do morto (prothesis) sobre um leito cerimonial, durante o dia, no vestíbulo da casa, tudo teatralmente em meio a muitos gritos e gestos rituais de lamentação; os homens demonstariam a sua dor estendendo os braços para a frente e para o alto; as mulheres levariam as mãos aos cabelos, desgrenhando-se; a lei sempre procurou coibir estas manifestações, principalmente as femininas, manifestações que incorporavam vestes rasgadas, batidas de pés, vociferações, crises histéricas. Nas cerimônias só eram admitidas mulheres que estivessem “impuras”, isto é, as mais próximas do morto, a mãe, a esposa, as filhas, as irmãs. Todos que entravam no vestíbulo deveriam usar luto (preto, cinza ou branco). Carpideiras e carpidores podiam ser contratados para, com a sua contribuição, ser aumentada a energia da memória. Havia restrições ao luxo. Muitos leques e ventarolas para espantar as moscas;


c) no dia seguinte, à alba, para que o sepultamento ocorresse antes dos primeiros raios do Sol, transporte do corpo para a necrópole sobre um carro ou maca, em cortejo de parentes, familiares e amigos, todos com roupas escuras, salmodiando um “threnos” (canto doloroso), com acompanhamento do aulo, em alternância com os soluços dos carpidores. No cortejo dos assassinados, uma lança, como sinal de vingança;


d) inumação em um caixão de madeira (cedro no caso de famílias ricas), depositado num túmulo, que podia ser subterrâneo, aéreo (superficial) ou rupestre (cavernas ou grutas). Em muitos casos, ocorria a incineração em fogueiras, sendo os ossos e as cinzas recolhidos em uma urna de metal ou vaso de argila, inumados mais tarde;
e) banquete fúnebre uma vez terminadas as exéquias na casa de um parente próximo, pois o domicílio deste último, até que ritualmente purificado, estaria sempre maculado pela morte.
A alma não chegaria adequadamente ao “Outro Lado” se a família do morto não o “ajudasse”, isto é, não o despachasse ritualmente como está acima. Como é óbvio, tudo isto tem que ser lido simbolicamente. Se algum item do mencionado ritual não fosse cumprido, a alma poderia ficar presa de algum modo ao mundo dos vivos. Esse ritual tinha o objetivo de “limpar” a alma de sentimentos e emoções, ódio, saudade, obsessões, remorsos, desejos de vingança, idéias fixas, inveja etc. que pudessem atrapalhar a travessia para o Hades ou impedir, depois da estada protocolar nele, se fosse o caso, o devido retorno.


Há, no rio Aqueronte, aquele cuja travessia marca a entrada definitiva no Hades, uma ilha. Nela ficavam as almas que, descendo ao reino infernal, não passaram pelos ritos de ”limpeza”. É a Ilha dos Mortos-Vivos. Muito importante, pois, a colaboração do mundo familiar quando pensamos em morte e renascimento. É por essa razão que os gregos chamavam a cerimônia da morte de exéquias, palavra que quer dizer cuidar, inquietar-se, acompanhar até o fim, honrar. Há aqui uma idéia de envolvimento comunitário que transcende o mundo familiar. O corpo ia para uma outra “jurisdição”, havia que despachá-lo convenientemente, cumpridas todas as formalidades, as diversas fases do processo bem nítidas.

Quem tinha poder sobre a Ilha dos Mortos era a Medusa, monstruosa figura que petrificava aqueles que com ela trocassem olhares. A Medusa, como sabemos, nos fala de aspectos particulares do nosso psiquismo que foram coagulados, muitas vezes desde a infância, sempre demasiadamente unilateriais, muito nocivos ao nosso desenvolvimento, cristalizações que não conseguimos destruir.


A mulher ou o homem tocados pelo arquétipo Perséfone profissionalmente têm que passar uma boa parte de sua vida “entre os mortos”. Este mundo, como vimos, é um mundo que carece de substância, de realidade material. O modo pelo qual ela (ele) lidará com as almas, com este domínio da existência de pouca ou nenhuma luz, tem como um de seus requisitos a “perda” do corpo físico e estará sempre sujeito a várias ameaças, sendo sempre um desafio. Na ocorrência da morte, a alma, “psykhé”, separando-se do corpo físico (soma), conduzida por Hermes psicopompo, tomava no Hades a forma de um “eidolon”. A alma era para os gregos o “quid” essencial do corpo, sendo o “eidolon”, uma vaga representação da forma física, de energia bruxuleante, de tênue brilho intermitente; o “eidolon” era às vezes chamado de “skia” (sombra), “oneiros” (figura de sonho) ou “opsis” (aparência, imagem, visão). Na frase de Sófocles, “o homem é somente um sopro e uma sombra, nada mais que um eidolon”.


Na geografia mítica há uma região muito próxima da superfície da Terra a que se deu o nome de Bosque de Perséfone. É uma região preambular, à qual se chega, no mito, através das várias entradas de Géia, pântanos, grutas, lagos, cavernas, desfiladeiros, lugares misteriosos, como Lerna, Averno, o cabo Tênero, Cumas e muitos outros. Era crença geral tanto na Grécia quanto na Itália que todos os grandes oríficios, anfractuosidades, gretas e fendas do solo, cuja profundidade ninguém nunca sondara, tinham contacto com o Hades, a ele dando acesso.
O Bosque de Perséfone ficava entre a Terra e o Érebo. A região era lúgubre, triste, desolada. Nela viviam pavorosos espectros, divindades alegóricas que atormentavam os mortais. Pela proximidade com a a superfície da Terra a ela subiam com facilidade, “vivendo” muito entre os mortais. As principais entidades desse mundo eram: Algos (Dor), Kenosis (Privação), Até (Desvario da Razão), Ponos (Fadiga), Phtonos (Inveja), Geras (Velhice), Lymós (Fome), Penia (Carência), Trophe (Volúpia), Nosos (Doença), Koros (Saciedade) e sua filha Hybris (Desmedida), Athenia (Depressão), Lyssa (Loucura), Phtora (Corrupção), Momo (Sarcasmo), Apate (Fraude), Panurgia (Demagogia), Tekhne (Artifício), Tryphé (Luxo), Aponia (Ociosidade) e outros. Na frente de Sykophantia (Calúnia) seguia sempre Ftonos (Inveja), que jamais conseguia olhar Areté (Mérito). Analogicamente, como se pode perceber, esses espectros vivem no limiar da nossa vida consciente. Um pouco afastados deles, seguia-os Metanoia (Arrependimento), de olhos lavados, sempre procurando a luz.


No meio do Bosque de Perséfone havia um imenso olmo copado, onde residiam os sonhos quiméricos, as ilusões, as frustrações e as decepções. Perto dessa ávore, vivia a Quimera, monstruosa filha de Tifon e de Équidna. Faziam também parte da vegetação do Bosque de Perséfone os ciprestes, os salgueiros e os campos de asfódelos, cujo perfume sugere a perda dos sentidos, a morte. O asfódelo, como se sabe, é muito conhecido nas regiões mediterrâneas como a flor dos decapitados, dos que perderam a cabeça, dos que não se comandam mais.
O olmo é uma árvore funerária porque ela não produz nenhum fruto, provavelmente por causa da sua longevidade e pela sua facilidade de reprodução. Eram também encontrados no Bosque de Perséfone ciprestes e salgueiros. O primeiro era sagrado pela sua longevidade, sempre verde e resistente, de resina incorruptível. Nos cemitérios (koimeterion, dormitório; koimasthai, deitar-se, dormir), os ciprestes têm um caráter infernal, lembrando ao mesmo tempo morte, luto, renascimento e imortalidade. O cristianismo o incorporou ao seu simbolismo, muito plantado junto dos túmulos nos cemitérios para representar esperança de vida eterna depois da morte. Já o salgueiro (álamo, chorão) sempre se ligou no mundo grego à morte, a sentimentos de tristeza. Lembra fecundidade, imortalidade. Sua origem, no mito, está ligada ao infeliz herói Faetonte, filho do deus Hélio.


Quanto ao cipreste (cypres-thuya), gregos e romanos sempre o ligaram ao inferno. Os povos árabes, por exemplo, o fazem derivar do paraíso de Alá diretamente. Da madeira desta árvore, segundo muitas versões, eram feitas as flechas de Eros e o cetro de Zeus. Graças ao seu verde eterno e à incorruptibilidade de seu lenho, sempre representou o cipreste a imortalidade da alma e a esperança de uma ressurreição. Tradicionalmente, diz-se, Papas, quando morrem, têm, como última morada, caixões feitos com madeira de cipreste.
Os templos gregos eram geralmente cercados por ciprestes, sendo um sacrilégio se cometer qualquer dano à árvore. Essas árvores eram normalmente consagradas a Plutão. Há inúmeras histórias na mitologia grega sobre elas. É tanto uma árvore ligada à morte como ao consolo de desgostos provocados por ela. Lançar um pequeno galho da árvore à cova, como um viático (provisões para viagens; sacramento da comunhão ministrado em casa aos enfermos impossibilitados de sair ou aos moribundos), quando da inumação do corpo, era sempre um conforto para o que partia.


A Quimera (Khimaira), um dos monstruosos filhos de Tifon e de Équidna (víbora, serpente, a prostituta apocalíptica, a libido que queima a carne e que a devora), é híbrida, uma fusão, com cabeça de cabra, corpo de leão e cauda de serpente. Representa uma deformação do nosso psiquismo, a imaginação descontrolada, um perigo que todos temos dentro de nós. A Quimera é, no fundo, um símbolo dos nossos poderes de criação (cabra) e de destruição (leão) e de como esses poderes podem nos envenenar (serpente). Vivia também a Quimera no Bosque de Perséfone. Era irmã de Cérbero, o cão tricéfalo guardião do Hades, do Leão de Neméia, da Hidra de Lerna, do Dragão da Cólquida, de Ortro, o cão do gigante Gerião, de Fix, a Esfinge, e do Abutre que devorou as entranhas de Prometeu, todos figuras sinistras, monstruosas.


Um dos espectros mais ativos, praticamente onipresente, na vida dos mortais é a deusa Eris (Discórdia). Cabeleira de serpentes, fitas ensanguentadas amarradas ao corpo, rosto lívido, boca espumante, ela carrega sempre entre as mãos um rolo de papel onde se lê “confusão, disputa, guerra”, seu lema. Eris foi indiretamente a causadora da guerra de Tróia ao lançar o pomo da discórdia na festa de casamente de Peleu e de Tétis. Eris é mãe de Ponos (Fadiga) e de Lethe (Esquecimento). Atrás dela, sempre escondida, caminha Strophe (Sofisma, também conhecida como Chicana), que pontifica nos Palácios de Justiça do mundo todo, sendo seus minitsros os juízes, os procuradores, os tabeliães e os advogados.
Dentre os espectros acima mencionados, há, por exemplo, um do qual ninguém escapa. Refiro-me a Geras (Velhice), uma triste figura que provocava sempre grandes temores, pois podia atacar os jovens também. Ela era representada como uma mulher muito velha, encarquilhada, sempre com uma longa túnica negra que lhe chegava aos pés. Na mão direita carregava uma taça, a do esquecimento; na mão esquerda, um bastão no qual se apoiava. Ao seu lado, sempre, uma clepsidra (relógio de água), quase esgotada.


Os espectros que vivem no Bosque de Perséfone atacam constantemente o que chamamos de ego, aqui entendido como núcleo em torno do qual se agregam todas as experiências vividas pela mente, registradas no inconsciente ou mantidas no campo iluminado da consciência. É o ego que nos faz acreditar que somos “alguém”, que temos uma personalidade individualizada, unificada. É com o ego que, a cada momento, nos afirmamos, satisfazemos desejos, empurrados pelos nossos caprichos, pela nossa vida instintiva, pelas nossas emoções, pela nossa mente inferior, pelas pressões do nosso corpo físico. Ele dá ao homem a ilusão de ser o eu verdadeiro. Quando dizemos eu amo, eu trabalho, eu faço isto ou aquilo, é sempre o ego que está por trás destas afirmações. É ele, no homem comum, o princípio de organização dinâmica, diretor e avaliador que determina as suas vivências e atos. É a instância do aparelho psíquico que se constitui através das experiências do indivíduo e exerce, como princípio de realidade, função de controle sobre seu comportamento, sendo seu funcionamento, em grande parte, inconsciente.



Para entender melhor o que aqui se expõe precisamos saber que todos os seres que nos mitos “vivem” abaixo da superfície da Terra são de alguma forma monstros, ligam-se ao não-ser. Na escuridão dessa imensa região subterrânea encontra-se o reino de Hades-Plutão (Hades, etimologicamente, o Invisível), que simboliza o nosso mundo inconsciente; lugar de monstros e de sofrimentos atrozes, nele temos tesouros, possibilidades de renascimento, novas oportunidades de vida que devem ser trazidas à luz.



O Hades grego, como se disse, é um lugar cheio de monstros, criaturas do não-ser. Um exemplo do que aqui se fala é Tifon, considerado o maior deles da mitologia grega. É filho de Géia, a Mãe-Terra, e do Tártaro, este, como vimos, o mais profundo do mundo infernal, lugar jamais atingido pela luz, Tifon é um monstro medonho e terrível. É muito mais alto que a mais alta das montanhas da Terra; de pé, sua cabeça atinge as estrelas; quando abre os braços, uma das mãos toca o oriente e a outra o ocidente; de seu corpo saem dragões e serpentes; de seus olhos, chispas de fogo. Tifon foi (é) a última tentativa de Géia no sentido de impedir a instauração por parte dos olímpicos de uma ordem cosmogônica orientada só espiritualmente. A monstruosa figura chegou a mutilar Zeus, que só conseguiu vencê-lo a duríssimas penas e, mesmo assim, provisoriamente. Tifon, como se sabe, está contido pela ilha da Sicília, que Zeus lançou sobre ele. As lavas que o vulcão Etna lança de vez em quando são um sinal de que o monstro um dia poderá voltar...



O nome Tifon, etimologicamente, lembra obscuridade, fumaça, trevas, violência, cegueira e surdez. É, como tal, um agente do Caos, da desagregação, da indeterminação, da indiferenciação, como destruidor da ordem cósmica. Ora, os antigos gregos bem sabiam que o nosso processo de individuação, analogicamente, tem tudo a ver com aquilo que chamavam de cosmizar, pôr em ordem, ajustamento de partes, integração tendo em vista um determinado fim. No sentido que aqui damos ao conceito, individuação é, num primeiro momento, o processo pelo qual uma parte do todo se torna progressivamente diferente dele e, concomitantemente, a ele se adapta.



Monstros, nos mitos, são seres disformes, fantásticos e ameaçadores. Etimologicamente, o nome significa prodígio da natureza, sendo considerados também como sinais que informam ou anunciam a vontade dos deuses. Nos mitos, eles têm relação com a vida primordial, representando as forças cósmicas como potencialidades não formais. A psicologia fez dos monstros símbolos, no ser humano, da predominância de forças instintivas ou irracionais que devem ser sacrificadas em nome de uma vida superior, racional, espiritual, isto é, cósmica. Como agentes do caos, os monstros falam sempre da indeterminação, do tenebroso, do abissal, lembrando a nigredo alquímica.


A cor da nigredo, como o nome indica é o negro, negação da luz, associada ao falso, ao erro, à desordem, à desorientação, ao complexo do abandono, este inseparável da melancolia (bile negra), sempre acompanhada do medo da vida e do desespero. Todavia, o negro é também o prelúdio da regeneração, pois é dele que sai a luz. Aquele que nos mitos subjuga as forças instintivas e irracionais, orientando-as superiormente é o herói. Os monstros guardam tesouros, estão presentes nos ritos de passagem e sinalizam uma possibilidade de renascimento. O herói é aquele que os enfrenta.

A compreensão da descida de Kóre, sua transformação em Perséfone, o lugar e funções que ela tem no Hades estão certamente na gênese de todos os processos das terapias do psiquismo, tanto as reconhecidas oficialmente como aquelas que se agrupam hoje sob vários nomes e que abrangem interesses metafísicos diversos, curas espirituais, meditação, yoga, astrologia, tarot, variados movimentos religiosos, mancias, práticas orientais como o budismo, o hinduísmo, o sufismo e outras. A mitologia grega sempre nos disse, lembremos, que há diversas maneiras de se descer ao Hades...


A história de Kóre-Perséfone será vivida por nós sempre que “alguém” do Bosque de Perséfone se apossar da nossa vida de algum modo, tornando-nos depressivos, causando-nos raiva, medo, fazendo-nos sentir inveja, levando-nos ao desespero... Perséfone, porque conhece os dois lados da experiência infernal, será a nossa mãe nesse mundo, podendo nos ajudar de algum modo, salvar-nos, como o fez com Orfeu. No geral, as pessoas assim raptadas, carentes de amor e atenção, procurarão alguém, uma Perséfone, que entre na sua vida para assumir a função de salvá-las. É neste momento que deve valer, mais do que qualquer outra, uma regra fundamental quando pensamos em ajudar pessoas, que as doutrinas orientais nos legaram: só podemos levar alguém a algum lugar até o ponto conhecido por nós, ou seja, até onde nos encontramos.


Texto de Cid Marcus,




http://cidmarcus.blogspot.com/2011/02/kore-persefone.html


Imagem: Proserpina (Perséfone; 1877), del pintor prerafaelita Dante Gabriel Rossetti

http://artehonors.blogspot.com.br/2011/09/kore.html